Em um minuto, ou quatro, pode-se viver uma vida. Há muitos momentos, nessa nossa trajetória aqui em cima do chão e debaixo do céu, em que o tempo parece parar, tamanha a felicidade que trazem.
Com a música é assim. As canções são trilhas sonoras de várias fases da nossa vida, porque marcam os momentos vividos. Ou seria o contrário? Enfim.
Mas tem aquela combinação de momento e música, que bate de uma maneira mais forte na alma. É o momento raro de epifania.
“Ali, ouvindo o meu primo dar aqueles acordes, no meio da praça, com o violão, foi que eu decidi que não queria mais nada na minha vida que não fosse ser músico!”, me disse o Tom Zé numa entrevista em 2009.
Eu também tive um momento assim. Com a diferença que na hora nem tive cabeça pra decidir nada, e infelizmente não virei músico. Nem poeta. Mas foi igualmente fundamental e intenso!
Impertinente e curioso que sempre fui, vi um senhorzinho sentado num cantinho da loja com um violão. Era um sábado qualquer, lá em meados dos anos oitenta, eu tinha ido com um amigo à loja de instrumentos musicais JOG, em Rio Claro.
De longe vi ele se ajeitando na cadeira, abrindo uma pasta de partituras na estante. Me aproximei e fiquei olhando, meio com medo de que ele não estivesse gostando de eu estar ali tão próximo. Mas seu sorriso foi como uma autorização para me aproximar. E foi quando ele começou a tocar Wave, do Tom Jobim.
Aqueles acordes e a melodia entremeada na batida maravilhosa da Bossa Nova, ali, materializada na minha frente, me aprisionou em uma bolha de realidade na qual o tempo pareceu perder seu significado.
Aquela música, lindamente executada pelo senhor José Guilherme, me transportou a um lugar especial. E ele tocava como quem brinca, e sorria. Meu coração, de onze ou doze anos, dava pulos! Não queria que acabasse.
Ele terminou, e já ia emendando outra, quando tive tempo de perguntar que música era aquela.
Fui embora naquele dia com a certeza de que eu precisava ouvir aquela música de novo, e de novo, e até a vida toda. Foi quando eu descobri Tom, Vinicius e seus poemas, músicas, e um universo de arte, do que produzimos de melhor e encanta o mundo até hoje, se expandiu. Tudo a partir daqueles poucos minutos naquela manhã de sábado, em que o tempo congelou. Ou melhor, o dia em que eu descobri que o tempo também pode ser música. Ou uma onda que se ergueu no mar.
Anos e anos depois, sentado num banco na Praia de Ipanema, pela primeira vez na vida no Rio, lembrei daquele momento na infância e entendi que a música pode ser uma cidade inteira, e até uma vida. Obrigado, mestre José Guilherme por, quase sem querer, me dar essas coisas que só o coração pode entender.