Eu me lembro com alegria e lágrimas nos olhos. Não é preciso ser escritor para construir uma frase como esta sabendo o que ela significa. Afinal todos nós, jovens idealistas e cheios de sonhos e convicções, adultos pragmáticos e senhores de si, idosos sapientes e donos de olhar calmo e tranquilo, e cujas palavras confortadoras, sempre se apresentam nas horas mais necessárias, todos têm uma história pra contar. Afinal, todos, um dia, foram crianças.
Escrevi certa ocasião: Nasci chorando e vou morrer fedendo. Pois bem, caro leitor, que glória pode haver nisso? Mas, o tempo, ah, sempre ele, o tempo, me fez pensar o contrário, me fez descobrir e compreender o outro lado da moeda. O de que é preciso valorizar e muito, cada fase desse milagre o único que jamais será compreendido: a vida. Bom seria se nós adultos, fossemos buscar a criança que trazemos guardada em alguma gaveta de nossa memória, nosso arquivo espiritual. E deixássemos que ela, a criança que temos em nós, ou, que ainda somos, falasse conosco e nos apontasse um caminho.
Antes que compreendamos a que viemos a este mundo, vivenciamos, ainda crianças, as primeiras experiências, experimentamos as primeiras sensações, fazemos as primeiras descobertas, e algumas nos machucam. Temos as primeiras decepções, enfim, descobrimos um pouco, apenas um pouco, o que é viver, enquanto criança.
Crianças arteiras, dóceis, inquietas. Criança sapeca sinônimo de vida. Não reclamemos do grito em horário indevido, da sinceridade desconcertante, da sujeira inconveniente. Criança é vida. E vida em abundância.
No campo religioso, duas definições em relação à criança despertam a atenção e curiosidade. Na primeira delas, a mais tradicional e, portanto, mais aceita, é a de que crianças são anjos, livres do pecado, através do batismo. Mas, a teoria espírita propõe outra definição: crianças são espíritos milenares, que já possuem uma bagagem intelectual e moral e, portanto, possuidoras de virtudes e defeitos morais, adquiridos em vidas anteriores. A derradeira alternativa, me parece, faz mais sentido à fé lúcida e raciocinada.
E o que diz a razão sobre o inquietante assunto? Ora, ela diz que uma criança que vem a falecer não possuiu tempo o suficiente para ser boa ou má, e, portanto, qual seria o seu mérito para merecer o céu ou o seu demérito para merecer o inferno, sob a perspectiva meramente religiosa.
Do mesmo modo, uma criança, como a filhinha deste que vos escreve, estimado leitor, que faleceu aos 4 meses de vida, o que teria feito ela de ruim nesta sua tão efêmera vida para sofrer tanto como sofreu e em tão pouco tempo, por causa da síndrome genética a que fora acometida?
Criança é sempre inspiração, para o bem, não resta dúvida. Sua vivacidade e seu sorriso espontâneo nos faz lembrar de que a vida vale muito a pena e se renova.
Lembro-me a primeira vez em que saí a brincar na rua. Tinha 7 anos. E ficava pendurado na janela da sala de casa que dava pra rua, olhando com inveja e interesse incomum os outros meninos maiores que eu a correr, a pular e a gritar felizes. Meu pai, entretido com livros contábeis em seu expediente na Casa Farani, não fazia ideia naturalmente do que se passava. Mas, um anjo bom deve ter soprado ao ouvido de minha mãe: “Deixe-o ir, querida, que eu cuido dele”. E ela deixou. Ainda que, bastante preocupada com o filhinho de saúde frágil que, naqueles dias, tomava uma dose generosa de Comital todas as noites antes de dormir. O que se deu a partir do momento em que pus os pês na rua, pela primeira vez na vida, a brincar? Conto em uma outra ocasião. Prometo.
Criança é assim mesmo, caro leitor. Às vezes demora a ver o seu sonho realizado. E, algumas vezes, por mãos inesperadas, como a de Dona Maísa, vê, surpreso, que o sonho se torna sim realidade. A dedicada professora, sempre muito austera e muito elegante, acreditou que naqueles idos de 1976, o seu aluno, de olhar perdido, lento no raciocínio e completamente disperso do mundo à sua volta, fosse capaz de aprender a escrever. Conseguiu. Hoje ele escreve. Acabou de fazê-lo mais uma vez. Bom dia!
Por Geraldo Costa Jr. / Imagem ilustrativa/Reprodução Internet