Em certa época, trabalhei com um egípcio, o Ahmed. Gente boníssima.
Nossas conversas sempre se basearam em trocas de experiências: ora como professores, ora sobre diferenças culturais, ora sobre hobbies, ora enquanto maridos.
Certo dia, ele me contou que estava de regresso ao Egito, por uma mistura de questões financeiras e familiares. Uma coisa marcante que ele me disse foi: “Cara, morar em outro país é surreal, é muito desafiador, muito difícil.
Mas vale a pena. Se um dia você tiver essa oportunidade, aproveite: muda completamente a cabeça da gente, muda tudo…”.
Nesse meio tempo, minha esposa engravidou. Ahmed foi uma das primeiras pessoas a quem contei a notícia, em privado, após, obviamente, os entes mais próximos. Sua reação não foi efusiva, mas percebi sua alegria.
Certamente ele estava com muitas preocupações e dúvidas, mas não deixou de se alegrar por mim.
Quando meu filho crescia na barriga da mamãe, eu comecei a mudar. Tudo, basicamente (Eu começava a pensar na frase de Ahmed…).
Depois que meu rebento veio ao mundo, mais mudanças. E estas ainda não deixaram de acontecer, na medida em que ele cresce e se desenvolve. Uma novidade a cada dia, sem hipérboles. Tê-lo foi puro êxtase, mas criá-lo é um desafio imprevisível. E aqui apelo ao chavão que define tudo: “Pai (Mãe) é quem cria”.
Lembro-me de uma situação, numa madrugada, meu filho com pouco mais de dois meses dormindo de bruços, encolhido em meu colo. Comecei a refletir sobre que sentimento eu tinha por ele, já que outro chavão diz que é inexplicável. Concluí que é uma mistura de fé, paixão, amizade e medo. Um filho mistura num só ser nosso temor religioso, o afeto para com o cônjuge e a devoção aos pais, além de ser nosso típico “melhor amigo”.
Naquele momento, me lembrei da canção de Toquinho e Vinícius – a melhor versão é a de Chico Buarque: “Dorme, meu pequenininho, dorme que a noite já vem / Teu pai está muito sozinho, de tanto amor que ele tem”.
Esses sentimentos todos é que vão impulsionar as mudanças que passamos a viver e perceber. Um filho testa nossa paciência de forma avassaladora, você quase se converte ao zen-budismo. Mas um filho te torna menos egoísta – você divide ou abdica de seu prato de comida, muitas vezes, e acaba, sem qualquer necessidade de “desapego”, deixando de cuidar com tanto esmero de determinadas raridades ou relíquias que sempre conservou.
Acima de tudo, um filho te faz, melhor do que qualquer curso de gerenciamento de tempo, entender o que significam prioridades. Nada no mundo se compara à sensação de se chegar em casa, colocar a chave na porta e ouvir a esposa perguntar à criança: “quem chegou?”, e ela responder em voz alta: “o papai!”.
Novamente, o canto de Chico ecoa: “De repente o vejo se transformar num menino igual a mim, que vem correndo me beijar quando eu chegar lá de onde eu vim”.
Para muitos, olhando de fora, a tentativa de Ahmed de viver no exterior tenha fracassado. Discordo totalmente.
Quando ele e sua família (esposa brasileira) estavam prontos para retornar, tivemos um jantar simples na escola para despedirmo-nos. Já indo embora, perguntei-lhe sobre aquilo que ele havia me dito… À época ele tinha um menino de 3 anos, e questionei: “morar fora é mais transformador do que um filho?”. Ele demorou um pouco, mas disse: “não… ter um filho é muito mais”.
Lembrei novamente de Chico: “Um filho a quem só queira bem, e a quem só diga que ‘sim’”. Criar um filho é provavelmente nossa única chance de dar certo na vida.