Vale da hipocrisia caipira: quando discursos e práticas divergem
Os gestores públicos que se escondem atrás de discursos de modernidade enquanto perpetuam práticas administrativas arcaicas são a personificação da hipocrisia institucional. Como é possível, em pleno século XXI, assistir a prefeitos que exaltam eficiência e inclusão em palanques, mas mantêm processos opacos que servem apenas para perpetuar privilégios e excluir a população? Essa incoerência não é apenas desrespeitosa; é um ataque frontal aos princípios democráticos.
A Constituição Federal de 1988 é clara: a publicidade é um pilar fundamental da administração pública. Mas vamos falar a verdade: publicar atos em diários oficiais recheados de jargões jurídicos que ninguém entende não é publicidade, é cortina de fumaça. Da mesma forma, criar portais de transparência onde informações estão enterradas em dados desorganizados ou mal apresentados é apenas uma maneira conveniente de fingir que estão cumprindo a lei. Se a população não consegue acessar e compreender, então isso não é transparência — é manipulação.
A Lei Federal 13.460/2017 trouxe as Cartas de Serviços aos Usuários como uma tentativa de democratizar o acesso às informações sobre serviços públicos. Mas o que vemos na prática? Documentos confusos, informações desatualizadas e uma total falta de compromisso com a clareza. Isso é transparência ou apenas mais um teatro burocrático para enganar o cidadão? Quem se beneficia quando o povo é mantido na ignorância?
Se seu prefeito proclama modernidade, mas insiste em práticas que favorecem uma “caixa-preta” na gestão, você tem todo o direito — e o dever — de desconfiar. Transparência verdadeira exige mais do que uma fachada. Requer coragem para abrir as contas de forma clara e acessível, para expor erros e corrigi-los, para se comunicar com todos, e não apenas com quem entende o juridiquês. Transparência é explicar, em palavras simples, onde o dinheiro público está indo e quais são os resultados.
E vamos deixar algo bem claro: manter portais labirínticos e publicações inacessíveis não é um descuido inocente. É uma estratégia deliberada para esconder informações, dificultar a fiscalização e perpetuar o poder de quem se beneficia dessa desorganização. Um gestor que age assim não é apenas incompetente; ele é cúmplice de uma gestão opaca que fere diretamente os direitos dos cidadãos.
A população precisa ser vigilante e cobrar mudanças reais. Por que as informações não estão claras? Por que os dados sobre contratos, gastos e obras públicas são tão difíceis de acessar? Se essas perguntas incomodam seu prefeito, talvez seja porque ele tem algo a esconder. Modernidade e transparência não são discursos; são práticas. E práticas que não condizem com a realidade merecem ser denunciadas e enfrentadas com veemência.
Antes de discursos delirantes, o cidadão espera prática, ação e transparência. Tratar o futuro de uma acidade em uma roda de conversa com amigos ou com quem paga a conta de forma não republicana não é o que se espera de um gestor moderno e democrático.
Antonio Archangelo é pesquisador e autor do livro Inovação no Setor Público
Referências
Lovelock, C., & Wirtz, J. (2011). Services Marketing: People, Technology, Strategy.
Constituição Federal de 1988: Princípios da Administração Pública.
Lei Federal 13.460/2017: Dispõe sobre participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos.
Controladoria-Geral da União (CGU): Relatórios de transparência e boas práticas na gestão pública.
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