Valha-me Deus, chuva! Foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça, quando, da cozinha, observou que o chão do quintal estava molhado.
O professor Samuel Glauber era dado a uma boa conversação. Ainda que fosse com sua gata Filomena, a rabugenta peluda, ranzinza, vinda do planeta Gaya. Todos os dias acordava bem cedo e caminhava até a Padaria Claret para tomar o café da manhã. Não era lá um desjejum de fazer inveja. Apenas um pãozinho na chapa e um café com leite, clarinho e sem açúcar.
Nesse momento, aproveitava o único instante de ociosidade do dia para conferir as notícias mais recentes na versão digital do jornal Diário que recebia gratuitamente, durante a madrugada. Não dispensava contudo de, aos sábados, ir até a banca do seu amigo Chaves, no Jardim Público, para comprar um dos jornalões da capital e uma revista semanal qualquer, com a qual pudesse se entreter um pouco.
Melhor matar o tempo com coisa útil. A leitura, uma delas. Alimentava essa convicção, desde que aprendera que Machado de Assis não era um autor erudito, mas, extremamente popular.
Afinal, os textos de Machado, foram antes publicados nos jornais de sua época, naquilo que acostumou-se chamar de folhetim. É certo que, depois, com o tempo, o professor Samuel encontrara outros autores tão ou mais interessantes. Faulkner, por exemplo.
Machado, porém, era único. Um estilista da palavra, esse meio de comunicação de poder imensurável, que o Bruxo do Cosme Velho sabia valorizar como poucos na elaboração de frases habilidosas e muito bem construídas e, com as quais, ia pincelando os personagens até que eles ganhassem forma definitiva na imaginação colorida do leitor. Chega de Machado! Ou o leitor desta coluna irá abandoná-la agora mesmo pra ir à caça de algum livro desse sujeitinho.
Bem, meu caro professor Samuel, voltemos nossa atenção novamente para vossa excelência que és, catedrático das Letras, como diria o Ni Prata lá de Ipeúna em seus arroubos filosóficos.
A cada manhã, faça chuva ou faça sol, o nosso ilustre professor aposentado, caminha pelas ruas do bairro de Santa Cruz, e, ao subir a avenida 10, por volta de 6 horas, observa com entusiasmo e alegria, as maritacas em bando vindas do sul em direção ao norte, leia-se Lago Azul. E até chegar à padaria, o professor Samuel, sempre muito atento, depara-se com o enamorado bem te vi, no ponteiro do cipreste daquela casa bonita e tão generosa com a natureza, ali na rua 14. Quanta vivacidade!
No meio do caminho, nosso admirável professor encontra com a dedicada Maria do Corrupio, a varrer a frente de sua casa, a podar a roseira e a reclamar dos vizinhos, em especial, o pastor falastrão que, nas noites de culto, aumenta até o último o volume de seu alto-falante, com o qual pretende conquistar as alminhas puras de bom coração.
O café está quentinho. Que ótimo! E o pão, com pouca margarina, torradinho no miolo e sequinho nas bordas. Essas atendentes são muito atenciosas! E simpáticas.
Na tevê da padaria, passa o Bom Dia São Paulo. As más notícias de todos os dias. Roubo, tráfico e homicídio. E, talvez, a pior de todas para o nosso ilustre professor, a derrota do Corinthians. Mais uma. Este ano, sei não…!
Bem alimentado, conta paga, e lá se vai o professor aposentado para mais um dia, cujo maior desafio, será encontrar algo por fazer que torne a vida útil e mais interessante. Quem sabe, a leitura de um bom livro. Machado ou Faulkner? Uma passadinha até o Gabinete de Leitura talvez lhe ajude a decidir.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Reprodução