Thomas Adler percebeu que já era um homem adulto, ao acaso, pela manhã. Passava em frente ao Colégio Dom Bosco, na avenida 8, quando, de repente, olhou em direção à fachada de espelhos do prédio, recém inaugurado, e deparou-se com um senhor simpático, estatura mediana, olhar algo bondoso, de óculos e farto bigode.
Lembrou-se imediatamente de seu pai, a semelhança que parecia haver agora entre eles. O pai que costumava dizer “só lembro de minha idade quando me olho espelho!” A maturidade, a caminho da velhice, que sempre incomodara tanto a Thomas Adler, agora, o confundia. Porque sentia desaparecer aquele ranço saudosista que o furtava algumas vezes da realidade, quando, mente distraída, deixava-se levar pela porta sempre aberta do coração que conduz à saudade. Então, se lembrava das tarde de domingo, com o pai, nos jogos do Velo, nas manhãs de cada dia, à mesa do café, a mãe sempre atenta, para que nada faltasse e Juninho fosse bem alimentado à escola.
E se voltasse ainda mais de encontro ao passado por aquele corredor de saudade, encontraria a si próprio, um menino ainda, um garoto, 4, 5 anos, ao lado da mãe, no portão de casa, esperando o pai chegar do trabalho na Casa Farani. Dos amigos, também se lembraria. Dia desses, mesmo, tivera a grata surpresa de reencontrar na Casa dos Espíritas com um desses amigos, Conrado, que, naqueles dias felizes da vida de Thomas Adler, era apenas Zequinha. Um garoto, astuto, forte, valente, negro, e feliz. E seu amigo, um deles. Porque havia outros naquela rua encantada daquele bairro de São Judas Tadeu. Todos eles, ainda bem guardados em um canto do coração de Thomas.
Caminhou mais adiante, naquela manhã, e já estava na altura da rua 11, quando encontrou às 6h25, pontualmente, o sempre generoso Carlinhos da Prefeitura, o amigo mais fiel e mais forte da maturidade, pessoa simples, reservada e metódica. Não houve tempo para a habitual resenha futebolística, porque a carona de Carlinhos para o trabalho chegara, sempre atrasada.
Thomas seguiu em direção à Padaria Claret, onde tomaria o seu indispensável café com leite e pão na chapa das 2as. feiras. Em lá chegando, ocupou a mesa de sempre, de canto, com vista para a rua. O dia estava nublado e a rua 14 bem movimentada. Mais um dia, mais uma semana que começava. E que surpresas traria? Enquanto esperava que a simpática atendente, sempre sorridente, trouxesse seu pedido, anotou em um guardanapo de papel, a pauta para a página esportiva do jornal Diário do dia seguinte.
Ficou a olhar a esmo, como fazem os escritores à procura de uma palavra, uma ocasião, um pretexto que demorou a surgir. O pingado já estava sobre a mesa, esfumaçante de tão quente. Uma conversa animada fez com que Thomas olhasse de lado para o interior do recinto, então algo aconteceu. Algo diferente. Tão verdadeiro quanto o mais verdadeiro desejo aprisionado no calabouço da impossibilidade. Sequer levara a xícara à boca, demorou um instante para recolocá-la sobre o pires. Ficou a olhar, mesmo sabendo que não seria notado. Sempre bela, como sempre. Bela e encantadora. A felicidade daquele olhar permanecia a mesma, mesmo depois de tanto tempo, 30 anos, ou mais, mais ou menos. Um olhar meigo e irresistível, hipnotizante, que parecia contudo, desconhecer o amor, mesmo depois de 30 anos. Bem acompanhada, ela acusou a presença de Thomas. E, de modo discreto e educado, fez menção de reconhecê-lo com um sorriso tímido, um leve aceno de mão. E nada. Ocupou com elegância, o assento de mesa com o qual ficava de costa para ele.
Quanto tempo não a via! E quanta coisa havia mudado. Quanta coisa! Menos a presença dela, em cada instante, desde então, diluída, nos versos mal escritos, apaixonados, rabiscados inúmeras vezes, guardados em pastas que Thomas fazia questão de esquecer.
Sua vida, um olhar. “Como você está tão bonita!” Uma frase, uma, para sempre. No passar dos anos, Thomas se agarrou a ela, uma frase, para não desistir, de despertar a cada manhã e levantar-se junto com o sol, para mais um dia.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Imagem ilustrativa/Reprodução