De tudo, o que mais sinto falta é da esperança que já não trago mais no meu coração. Escreveu isso em um pedaço de papel que encontrara ao acaso sobre a mesinha de centro da sala. A caneta, sempre a trazia no bolso da camisa. Tudo o que deixara para trás, tudo o que ficara pelo caminho ocupara-lhe a mente naquele final de tarde.
Havia chegado da rua, onde fora procurar trabalho, em vão. Colocara uns discos pra tocar na velha vitrola, preparara uma dose generosa de whisky, cujo conteúdo na garrafa, estava quase no fim, e isso lhe causara um certo aborrecimento.
Sentado no sofá, tivera a infeliz ideia de verificar a carteira, na qual só havia alguns trocados. Como pagaria a pizza que pedira em um momento de entusiasmo indevido, não sabia. Se Norma estivesse presente não haveria problema. Ela, sempre muito solícita e generosa contornaria a situação, sem lhe causar constrangimento.
Cruzou as pernas e botou a mão direita sobre o joelho. Tombou a cabeça na mesma direção e ficou a pensar, mesmo sabendo que não deveria fazê-lo. Um pensamento o levaria a outro. E desse para a frustração, o arrependimento e a mágoa, a mágoa de si mesmo, seria um piscar de olhos.
Jamais imaginara perder o emprego. Ganhava bem e era algo que gostava de fazer, era sua vida. Vender discos, lidar com música, era a sua paixão. E tinha dúvida se saberia viver sem isso. Aquela música de Dione que agora tocava na vitrola o conduzia diretamente à década de 70. O seu melhor momento. Jovem, destemido, ousado, trabalhando e ganhando muito dinheiro. Só lhe faltava uma coisa. Aquilo que completa e preenche a vida de um homem, faz com que a vida ganhe real significado: mulher e filhos.
Do sonho à decepção, demorou menos tempo, que ouvir os dois lados de um disco ruim. Mas, de todo relacionamento fracassado, sempre resta algo que valha a pena. Um filho. Foi a sua tábua de salvação. Viver para o filho. Fazer tudo por ele. O possível e o impossível. Até vê-lo crescido, forte, bater asas e voar em direção ao infinito.
O mundo dá voltas. Tudo passa. O passado cede lugar ao presente para aqueles que amam a vida. A chama do desejo ardente de ser feliz, é bafejada pelo vento da esperança e ganha força. Faz bater o coração mais rápido. Acelera a vontade, ilumina os dias, ressignifica a existência, porque tem nome. Nome e rosto. E um sorriso que de tão lindo é avassalador.
Mas, o amor, para eclodir em dois corações ao mesmo tempo, depende de uma conjunção de forças que os astros desconhecem e a natureza não explica. Uma palavra mal colocada, no momento inadequado, pode pôr tudo a perder. E ele não sabia lidar muito bem com as coisas do coração. Nunca soube. E não saberia dessa vez. Logo o amor deixara de ser esperança e ganhara a face da desolação. Recolhera-se tímido e aprisionara-se em si mesmo tomando uma rota de fuga que, de antemão, sabia levá-lo por um caminho sem volta.
Fumara o último cigarro. E decidira que nunca mais fumaria nenhum outro. Sua tarefa era arrumar um trabalho. Qualquer um que fosse. E não lamentar um amor não correspondido. As contas se acumulavam sobre a mesa do seu escritório e, naquele momento, não tinha como pagá-las. Machucava-lhe o orgulho tal situação porque era algo que jamais lhe acontecera. Pedir emprestado para algum parente, amigo ou familiar, não faria. A última conversa que tivera com o gerente do banco fora desanimadora. Precisava mesmo era de um novo trabalho. Talvez a velha rotina de levantar cedo todas as manhãs, tomar um banho, passar o café, enquanto ouvia o rádio, talvez tudo isso, lhe desse novo ânimo, fizesse brotar novamente a esperança em seu coração. Talvez.
Viver das lembranças, agora doloridas, dos bons momentos vividos não lhe traria nenhuma solução. Ao contrário, acabaria por arrastá-lo a um beco sem saída, escuro e sujo. Amava demais a vida para se encontrar nessa humilhante situação. Precisava reagir. Um homenzarrão daquele! Não podia se permitir à derrota. Ainda lhe restava um ranço de jovialidade. A vontade de trabalhar, ainda o motivava a novos desafios. Precisava apenas de uma oportunidade.
Restava-lhe umas últimas economias na poupança. Aquilo que a inflação não consumira, da rescisão que recebera da empresa onde trabalhara, como funcionário destacado e dos melhores, durante 20 anos. Talvez investisse esse recurso em algum empreendimento. E caso fracassasse, já não teria nada. Nem mesmo uma aposentadoria. Mas, era um homem. E estava disposto a tudo. E se tivesse de morrer, se a vida tivesse de derrotá-lo, certamente o faria, mas ele morreria atirando.
Por isso levantou-se do sofá. Pegou o telefone e começou a discar o número que sabia decor e que não lhe saía da mente um só minuto. O sol já se levantava sobre a floresta distante alguns quarteirões de sua casa. E isso, pela primeira vez o incomodava. Alguém do outro lado da linha atendeu a ligação.
“Alô! – ele disse – É você…?”
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Reprodução