Naquele tempo, Thomas Adler já era um professor de Letras, muito conceituado no meio acadêmico. Enquanto tomava uma xícara de café, em seu gabinete, no intervalo entre uma aula e outra, deparou-se com algo inesperado sobre sua mesa. Piscou os olhos, esperando com isso, ter a certeza do que tinha a sua frente. Tomou-o com cuidado, colocando-o debaixo do braço e foi até a sua secretaria em busca de resposta para o inusitado.
O que significa isso, Srta. Efigênia? Um livro, professor. Pois, sim, logo se vê. Eu me refiro ao título: O Evangelho Segundo o Espiritismo! Não deveria estar sobre a minha mesa. E não estaria, ela disse, não fosse a maneira educada e cordial como seu amigo se apresentou para mim. Amigo? Sim! O mesmo que lhe trouxe este livro. Segundo ele, um presente, dado com muito carinho. Amigo? Se foi o que ele disse, deve ter um nome? Certamente, professor. E qual o nome? Veja, professor, tão agradável fora a presença daquele homem, que lhe esqueci de lhe perguntar o nome. Agradável, sim! E também, envolvente, pelo jeito, Srta. Efigênia? –emendou o professor – Pode se dizer que sim, devo admitir. Peço-lhe desculpas, professor. Está desculpada, Srta. Efigênia. Mas, trate de dar um jeito nisso. E não demore, por favor.
De fato, a Srta. Efigênia resolveu a questão do modo como melhor lhe convinha. Meteu o livro dentro da bolsa a tiracolo do distraído professor, enquanto ele estava em sala de aula.
Ao chegar em casa, naquela noite, bastante cansado e contrariado com algumas intercorrências havidas durante o trabalho, resolveu esvaziar a bolsa, antes de tomar o banho refrescante e procurar na geladeira algo para comer. Curiosamente, logo encontrou o livro que sua secretaria ali havia colocado. Com o livro em mãos, franziu o cenho, levou o indicador direito aos lábios, como de costume, e ficou a meditar. Por que tanta insistência, bom Deus, para que este livro me chegue às mãos? Pois creio, e tu sabes, que tudo o que chega a mim é de tua vontade.
Na sala de espera do hospital, naquele início de noite, lembrava-se desta passagem marcante de sua vida. Diante de si, pendurado na parede, um crucifixo. Sim, naquele extremo de sua vida, onde havia mais certeza que dúvida, finalmente, lembrava-se que fora na religião católica romana que fundamentara a sua fé inabalável em Deus.
Mas havia coisas que lhe incomodavam. Por exemplo, o Deus do Antigo Testamento: parcial, vingativo e sanguinário, em certos momentos. Essas características de personalidade mais se pareciam com humanas do que com divinas. Ao contrário do Deus, do Novo Testamento, apresentado por Jesus. Este sim, um Deus que é Pai, bom, justo e misericordioso. Um Deus que ama a todos indistintamente, um Deus que perdoa e ensina a perdoar, tantas vezes quantas forem necessárias. Isso ensinara Jesus, ele sim, o Bom Pastor. E isto dava esperança a um coração combalido como o de Thomas Adler e satisfazia mais à sua mente inquieta e sempre em busca de respostas.
Foi através daquele livro que lhe chegara às mãos de maneira misteriosa, há 20 anos, que lera devido a insistência de sua dedicada e atenciosa secretaria, mais em razão disso do que por interesse, foi que encontrara as tais respostas. Afinal, entender sobre a imortalidade da alma, era mais consolador do que a ideia do vazio e do nada após o túmulo. Entender sobre a pré-existência da alma é mais esclarecedor diante dos dramas da vida, como aquele que o obrigou a enterrar um filho de apenas 4 meses, nascido com uma cardiopatia congênita, incurável. A pré-existência da alma, tinha, portanto, mais a ver com aquilo que Jesus ensinara: “A semeadura é livre, mas, a colheita, obrigatória”. Tudo passara a fazer sentido para Thomas Adler ao se deparar com as informações contidas naquele livro que, em princípio, rejeitara.
Sim, estava convencido, somos hoje, o resultado do que fizemos ontem, e seremos amanhã, o resultado do que fizermos hoje. E o ciclo, para seu conforto e esclarecimento, se fechava com o entendimento sobre a pluralidade das existências, ou seja, a reencarnação. A reentrada, o ressurgimento do espírito, que somos nós, para a vida humana, em um corpo novo, concebido, gestado e nascido, e não aquele outro, já sepultado, apodrecido, desfeito completamente e cujos elementos químicos, inclusive, já foram reaproveitados pela natureza.
Sem dúvida, admitira o Prof. Thomas Adler, é algo muito mais lógico, mais racional e mais verdadeiro do que qualquer outra teoria mirabolante, sustentada pela fé cega, à custa de medo e imposição, através dos séculos, em nome de um poder efêmero e transitório. Coisa de humano, mesmo.
Quando seu nome foi anunciado para que se dirigisse à sala de pré-consulta, Thomas Adler, lembrou-se de sua inesquecível secretária Efigênia. Dessa vez, ela não viria visitá-lo durante o período de sua convalescência. Mas, quem sabe, talvez, houvesse chegado a hora, dele, sim, visitá-la. A ideia lhe causaria repulsa e espanto, fosse naqueles tempos de universidade. Mas, agora, não mais. A fé do professor tornara-se enorme e robusta, porque apoiava-se na razão. O que tornava o caminho diante de si iluminado. Não importasse para onde o levasse esse caminho. Estava preparado e disposto a segui-lo de maneira consciente e lúcida.
Já instalado em seu quarto, aguardando a visita do médico para avaliar os primeiros exames, daquela mais recente internação, o Prof. Thomas Adler olhou para o lado, de repente, e viu alguém sentado na poltrona a observá-lo de modo carinhoso.
Bom dia, professor! – ela disse – Você esqueceu o seu livro.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Imagem ilustrativa/Reprodução