Escutou quando, lá embaixo, na cozinha, a mãe disse, um tanto entusiasmada:
“Que bom que você veio, pai! Já não sei mais o que fazer. Agora ele deu pra ficar trancado horas naquele sóton”.
Segundos depois, o andar inconfundível do avô tornou-se bem próximo. As botas estalando no assoalho que a mãe tratava de manter limpinho e brilhando.
Manteve-se, todavia, de costas para o avô. Não estava disposto a ceder. Mas o avô sabia como lidar com a situação.
“Bom dia!” – disse alegre e confiante.
“Nem tanto assim”.
“Problemas?”
“Sim. Alguns”.
“Nada que não possa ser resolvido, espero”.
“Exato. Mas, para isso, preciso de silêncio e solidão”.
“Você fala como se fosse um adulto”.
“Mas é como me sinto, certas ocasiões”.
“Escute, o que tanto lhe incomoda?”
“A estupidez da vida, vô”.
“Não entendo”.
“Entende. Mas vou lhe explicar: é o modo como as coisas se passam”.
“Sou todo ouvidos”.
“Acontece que tudo se repete, todos os dias”.
“Se refere à rotina da vida?”.
“Sim. Isso me incomoda muito”.
“Mas ela é necessária”.
“Por quê?”
“Para que nos sintamos seguros. E possamos saber sempre para onde estamos indo”.
“E para onde estamos indo, agora?”
“É uma pergunta que cada um deve responder por si mesmo”.
“Pois essa pergunta tem me perturbado. Porque não sei para onde estou indo”.
“Quando eu tinha a sua idade, eu também não sabia”.
“E quando foi que passou a saber?”
“Não me lembro”.
“Obrigado. Ajudou bastante”.
“Escute: você talvez esteja precipitando as coisas”.
“Como assim?”
“Sofrendo por antecipação”.
Então, pela primeira vez, desde o início da conversa, o neto olhou para o avô, algo realmente interessado.
“Deixe as coisas acontecerem naturalmente. Cada fase da vida tem as suas lutas e os seus mistérios. A natureza é sábia. Ela nos coloca em condição para vivenciar as experiências da vida, cada qual a seu tempo. Quando surge o desafio é porque estamos preparados para enfrentá-lo”.
“Amar é um desafio?”
“É um dentre muitos. Talvez, o maior de todos. E o mais sublime”.
“Acho que estou amando. Mas não tenho certeza”.
“Só tenho uma coisa a lhe dizer a respeito disso: não sofra por quem o abandonou. Mas ame quem o acolheu”.
“Continue”.
“Pois bem, a sua mãe, que lhe acolheu e que tanto te ama, merece esse esforço”.
“Acho que vou amar realmente quem me acolheu, quando puder esquecer quem me abandonou”.
Ao dizê-lo, o neto abraçou o avô. Sentia-se protegido no aconchego daqueles braços grandes e fortes. A barba grisalha do avô tocava-lhe o rosto, e era macia, e o perfume que vinha dos seus poucos cabelos já embranquecidos quase totalmente lhe despertavam um sentimento de nostalgia que não saberia explicar.
Na cozinha, lá embaixo, a mãe que o acolhera, chorava. Sempre o fizera às escondidas, mas agora, já não sentia mais essa necessidade. Estava cansada de uma luta que se demonstrava a cada dia mais inglória.
“Acho que posso amá-la” – disse o menino para o avô, que ainda o tinha nos braços.
“O que o leva a pensar desse modo?”
“Ela sempre foi muito boa pra mim”.
“Essa é a recompensa dos que amam: serem amados um dia, também, não importa quando, nem como”.
“Obrigado, vô. Você resolveu a questão”.
“Você, na sua idade, se questiona sobre essas coisas. Imagine eu, na minha, quantas vezes já não o fiz?”
O menino sorriu, satisfeito, e voltou a buscar refúgio nos braços do avô. E assim desceram a escada. E quando a mãe viu o menino, seu filho, braços estendidos em sua direção, sorriu também. E pode finalmente sentir-se feliz. E tomar o filho nos braços, sem receio algum.