No início da semana, assisti novamente ao longa-metragem Fahrenheit 451.
Lançado em 1966, o filme dirigido por François Truffaut tem cenas impagáveis de como o futuro era imaginado e, sobretudo, exposto na telona há pouco mais de meio século. Claro que o cineasta francês, fundador do movimento cinematográfico conhecido como Nouvelle Vague, direcionou a sua obra com tom esquerdizante apontando a uma suposta censura política àqueles que tivessem o atrevimento de ler ou de ter um livro, porém, ainda que de maneira sutil, apontou também ao fato de como a tecnologia, para o bem e para o mal, altera a vida de todo o Mundo.
Baseado no romance distópico escrito por Ray Bradbury, a trama relata uma sociedade que vive em um futuro inespecífico no qual qualquer pessoa que for pega lendo recebe punição, pois os livros, considerados ilegais em sua totalidade, quando encontrados em posse ou na casa de algum cidadão são queimados pelos “Bombeiros” – que, ao invés de apagarem as chamas, o que seria lógico em qualquer situação comum, incendiam um a um os clássicos da Literatura.
Guy Montag (Oskar Werner), casado com a deslumbrada Linda Montag, interpreta um dos incendiários que vive uma felicidade letárgica até que conhece Clarice, uma leitora assídua através de quem é iniciado a uma trajetória rumo ao desconhecido literário. Importante destacar que ambos os papeis femininos têm como atriz a belíssima Julie Christie.
Entendo que o trabalho de qualquer autor tenha inúmeras aberturas e que, portanto, pode ser submetido a várias interpretações, todavia, Bradbury – que morreu no ano de 2012, aos 91 anos – já havia declarado que o escopo de Fahrenheit 451 nunca foi a censura política, mas sim uma dura crítica à televisão que, em sua opinião, elimina o interesse pelas Letras.
Levando em conta que a febre pelos televisores teve início depois do término da Segunda Guerra Mundial e que o romance chegou às livrarias em 1953, nada mais relevante do que o profissional da escrita ter enxergado a nova tecnologia como algo que viria de encontro à produção textual.
Infelizmente, desde o lançamento de Fahrenheit 451, o desinteresse pela leitura vêm aumentando e, depois do advento da Internet – que, em tese, seria a nossa Nova Alexandria –, o desdém pelo saber aprofundado está cada vez mais saltando aos olhos e nada pior que isso, pois bem sabemos que a ignorância é uma arma de criação de escravos.
‘A Estrada do Futuro’, de que falava Bill Gates lá no início dos anos 1990, foi construída, mas sem pit stop para a imprescindível leitura. Aliás, no Capítulo IV deste livro – o qual costumo recomendar aos meus alunos da Graduação e que indico aqui aos leitores da Tempestade de Amianto –, Gates previa que depois da ‘estrada’ viriam os aplicativos que demonstrariam o seu [da estrada] real valor.
Os aplicativos foram criados e tudo certamente tem o seu valor na linha evolutiva, entretanto, agora, podemos dividir a Humanidade entre duas eras distintas, a que costumo chamar de Antes das Redes Sociais (ARS) e Depois das Redes Sociais (DRS). Sim, porque depois de criado o espaço em que, como bem definiu Humberto Eco, “proporcionou o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade”, a relação entre os usuários está cada vez menos amistosa!
Principalmente, em tempo de Eleições Presidenciais! Portanto, sugiro o abandono temporário da tecnologia! Não! Não fique assustado, querido leitor e estimada leitora, porque não precisa ser por muito tempo, apenas o suficiente para o deleite de um bom e velho livro. Até domingo que vem!
O autor é Mestre em Divulgação Científica e Cultural pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp.