Manhã de abril de 2009, pertinho da Páscoa daquele ano. Num misto de amedrontado e maravilhado, saio do hotel com meu saudoso amigo Carlos Marques, e vamos caminhando pelas ruas, sem GPS nem destino certo. Estávamos lá para uma entrevista com o Boni, ex-vice presidente da TV Globo, que havíamos feito no dia anterior.
De repente passo por uma esquina, vejo a praia de Ipanema ao fundo da rua a minha esquerda e leio na placa meio desgastada: “Rua Nascimento Silva”.
Tomado por uma emoção ingênua, primeira vez no Rio de Janeiro, imediatamente lembrei da música (Carta ao Tom 74) e fui procurar o número 107.
Andei um pouco e fiquei ali parado, em frente ao prédio charmoso de quatro andares, imaginando ouvir o piano de Tom Jobim, ensinando pra Elizete Cardoso as canções do disco “Canção do Amor Demais”, lá pelo início de 1958, que inaugurou de vez a Bossa Nova no mundo.
Senti tantas saudades, que não conseguia sair da frente do prédio. Quem sabe o som de uma nota solta, de um acorde dissonante ou diminuto ficou preso ecoando entre as paredes daquele prédio e eu ainda pudesse ouvi-lo ao fundo concorrendo com o barulho do mar, para matar as saudades imensas que eu senti de um Brasil que eu nem vivi.
Há dias, nessa quarentena que não tem fim, estou grudado, viciado no livro de memórias do Nelson Motta (De Cu Pra Lua – Dramas, comédias e mistérios de um rapaz de sorte). Escrito com aquela verve toda que só o Nelson tem, dividido ano a ano de sua vida em crônicas saborosas, me fez descobrir uma doença que sofro desde criança. Tenho nostalgia de um passado que eu nunca vivi. Lendo a vida do Nelsinho (assim, na terceira pessoa como ele quis escrever) sofri de novo de saudades de um Brasil do fim da década de 1950 e início dos sessenta, com toda aquela atmosfera das noites cariocas, em reuniões de jovens nos apartamentos da zona sul, com presenças fáceis de gênios como Tom, João Gilberto, Vinicius, Edu, Nara, e tantos outros.
Nasci em 1974, e tenho saudades de antes de eu nascer, pois conheço de ler, ver e ouvir falar minha mãe. Além das canções, do sorriso do presidente Juscelino e da cultura norte-americana e Europeia se rendendo aos nossos encantos, ouço os mais idosos dizerem que havia mais cordialidade, mais empatia, mais brasilidade.
Voltando ao Rio, em 2010, sentado em um banco no posto 8 da praia de Ipanema vejo o mar e lembro com nostalgia de um tempo em que “mesmo a tristeza da gente era mais bela”, e não essa epidemia de depressão, egoísmo e desalento que tomou conta do nosso País. Ah, e “além disso se via da janela um cantinho de céu…e o redentor”.
Hoje quem pode nos redimir? Hoje o que se vê é muita gente boa “falando de lado e olhando pro chão”, diante de uma imensa “onda que se ergueu no mar” de indelicadeza, intolerância, e parece engolir toda nossa gente.
Enfim, haverá de ter alguém que descubra um novo tom, um acorde, uma música, uma bossa mais nova que nos faça sonhar de novo, e nos tire dessa escuridão?
Amanhã vai ser outro dia.