Alarmante. O suicídio é a segunda causa de morte tendo em vista jovens de 15 a 29 anos no mundo, atrás apenas de acidentes de trânsito. E a cada 40 segundos, uma pessoa se suicida, sendo que 79% dos casos se concentram em países de baixa e média renda. Esses e demais dados fazem parte de um novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado quando do último dia 9, às véspera do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, lembrado no dia 10 de setembro.
Ao observar uma faixa etária ainda mais jovem, de 15 a 19 anos, o suicídio surge como a segunda causa de mortes entre as meninas, após as complicações na gravidez, e a terceira entre meninos, depois de acidentes de trânsito e violência. A OMS estima que cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio por ano – os números do relatório são referentes a 2016.
Em terras brasileiras, foram registrados 13.467 casos, sendo que a grande maioria, 10.203, entre homens, conforme a entidade. Segundo o levantamento da organização, as principais formas de cometer suicídio foram: enforcamento, envenenamento com pesticidas e uso de armas de fogo. Restringir o acesso aos meios que podem ser utilizados para cometer o ato é uma das ferramentas para diminuir casos de suicídio, de acordo com a OMS.
Com o desígnio de explanar acerca destes números que impressionam e, acima de tudo, preocupam, o Centenário consultou uma vez mais a professora doutora Lúcia Helena Hebling Almeida, psicóloga clínica com consultório em Rio Claro, além de docente convidada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autora de artigos e capítulos de livros.
De acordo com a profissional, hoje em dia há uma maior conscientização da população em geral sobre a necessidade de estratégias para a prevenção de suicídio, visto que na internet e redes sociais jovens se comunicam e trocam ideias a esse respeito e, muitas pessoas, relatam enxergar na morte uma única saída para seus problemas. “Acreditava-se que ao abordar o assunto na mídia, estatisticamente, aumentava-se a possibilidade da ação suicida”, expõe a especialista, que pondera: “Hoje, isso não é mais considerado, pois o ouvir o outro, na verdade, possibilita a prevenção.”
Lúcia Helena faz a seguinte indagação: “O que significa este ouvir o outro, e o que pode estar relacionado ao suicídio?”. A psicóloga clínica aclara que, segundo Neury Botega, um dos maiores pesquisadores sobre o assunto, somente 3% das pessoas que tentam se suicidar não apresentam nenhum transtorno mental; 10% estão relacionados à esquizofrenia; 11% a outros transtornos de personalidade; 22% ao uso de substâncias; e 36% a transtornos de humor e depressão. “Aliás, recomendo aqui a excelente entrevista concedida por ele no programa ‘Conversa com Bial’, de 25 de abril de 2018, que pode ser buscada na internet. Botega discorre sobre alguns sinais no comportamento do suicida, e fala da importância de se diferenciar tristeza de depressão”, recomenda.
Tristeza e depressão: a importante distinção
Segundo Lúcia Helena, na tristeza, a autoestima, o desempenho nas tarefas, o ânimo – palavra que vem de alma, a alma para se fazer as coisas – a esperança na vida, estão preservadas; a tristeza tem curta duração – poucos dias e pode envolver a perda de alguém ou algo importante na vida – uma perda afetiva concreta.
Já com relação à depressão, afiança haver o oposto de tudo isso. “A depressão paralisa. E ainda podemos ter sintomas corporais – somatizações graves, bem como a ideação suicida, ou seja, a vontade de se suicidar. A depressão tem uma duração mínima de uns 15 dias e, para além da tristeza, existe o que é chamado na literatura de ‘humor deprimido’ – choro, vazio, angústia, falta de energia; há ainda alterações no sono, irritabilidade, impaciência, alteração de apetite e libido (energia sexual).
Pode-se observar culpa, sentimento de inutilidade, ser um peso para os outros, ansiedade”, discorre a profissional, que alerta: “Aqui, um ‘gatilho’ pode ter início: começam as ideias sobre a morte, ideias de suicídio, um planejamento de como se matar, pesquisar sobre coisas letais, trocas de ideias sobre o assunto ou vasculhar na internet, e o avisar sobre providências a serem tomadas no pós-morte, especialmente nas pessoas mais velhas.”
A especialista explica que, na adolescência, tem-se como característica momentos de muita angústia, ansiedade, ambivalência e impulsividade. Conforme ela, isso é importante ser salientado pois, muitas vezes o impulso para se matar dura alguns minutos apenas, é transitório, e por um motivo aparentemente banal. “A pessoa vê no suicídio a única solução – na base do tudo ou nada. A impulsividade e a dificuldade de se expressar são a grande base para o problema nessa fase”, elucida.
Lúcia Helena faz menção a um caso que gerou bastante comoção na internet de uma adolescente que sentiu-se momentaneamente sem saída, e se arrependeu na queda. “Muito interessante, e triste, claro, que ela tenha se arrependido em plena queda”, pondera e acrescenta citando James Hillman, em o “Suicídio e alma”, de 2009: “Porém, atrás do motivo dito, há o não dito.
Nesta perspectiva, precisamos aprender a ver o suicídio a partir de fatores interiores e não apenas pelas condições sociais, culturais, econômicas, religiosas que o envolvem… É como uma visita do ‘outro lado’ da vida que, na maioria das vezes, se revela obscura, impenetrável, intraduzível, não-interpretável, misterioso, enigmático, perturbador. Esse ‘outro lado’ não cede a argumentos racionais, porque não tem bases intelectuais, antes, está enraizado na fantasia, no inconsciente, do lado de dentro da personalidade, inacessível às críticas. Há sempre uma dor psíquica insuportável, e um ‘estreitamento cognitivo’ que faz com que a visão do suicídio pareça ser a única opção.”
A psicóloga enfatiza que o apoio medicamentoso, muitas vezes, é importante, todavia, o apoio psicológico, a psicoterapia, é fundamental. “Afinal, por trás do desejo de morrer há o desejo de transformar-se, o desejo de nascer de novo. Este morrer/renascer é simbólico e precisa ser ouvido”, destaca. E segundo ela, é aí que entra a prevenção. “Ouvir com atenção, respeito, sem julgamentos, recriminações morais ou religiosas, e conduzir a pessoa aos profissionais de saúde mental, pois, na grande maioria das vezes, o buscar a ajuda necessária não ocorre espontaneamente. E quando se ouve, se fala, se ganha tempo a favor da vida”, finaliza.
Girassol
Todas as manhãs, o girassol parte em busca do sol, seguindo a luminosidade insistentemente, porque precisa dela para crescer e florescer. Mesmo quando o sol está escondido entre as nuvens, a flor gira persistente, apesar da dificuldade, em direção à luz.
Em alusão a esse comportamento da natureza, o girassol foi escolhido como símbolo da campanha Na Direção da Vida – Depressão sem Tabu, iniciativa do movimento mundial Setembro Amarelo, que tem o objetivo de abrir o diálogo e alertar a sociedade sobre o tema.