As relações de trabalho mudaram muito, principalmente agora durante a pandemia. Muita gente passou a trabalhar em casa, num processo que parece irreversível para muitas empresas na busca pelo corte de gastos. Inclusive, muita gente se descobriu mais produtivo trabalhando em casa, em home office. Porém acentuaram-se as crises de ansiedade, os comportamentos depressivos, a insegurança.
Não é de hoje que as relações de trabalho mudaram. Hoje é tudo intermitente. A chefia está sempre ali, em qualquer lugar que você esteja, usurpando desse acesso fácil. E a qualquer momento pode te chamar pelo WhatsApp, com um monte de pedidos pelos quais você não será remunerado.
E há uma sensação, mesmo nos dias de folga, nos finais de semana e feriados, de que não se deve desligar o celular. Afinal, vai que alguém do trabalho chama né?
Há um falso senso de urgência em tudo relacionado aos mais diversos tipos de trabalho. E tudo isso tem sido um terrível gerador de ansiedade, pânico.
A gente não desliga, e muitas empresas são organizadas tristemente tendo como base o sofrimento das pessoas, com a concorrência, a distribuição de bônus e o ambiente de perseguição que se instala em quem não atinge as metas. Não é culpa das empresas totalmente, já que estão imersas em um sistema que incentiva isso, com contratos de trabalho cada vez mais instáveis alimentando nossa insegurança.
Durante essa pandemia reforçou-se ainda mais essa insegurança. Mergulhamos de corpo e alma na impessoalidade da linguagem digital, apagando os limites entre nossa vida pessoal e profissional. Nosso trabalho invadiu nossa casa, e vice-versa.
Sujeitos a essa impessoalidade, muitas vezes sem o olho no olho do trabalho presencial, a pessoa coloca um monte de minhocas na cabeça, e passa boa parte do dia, ou da noite, pensando no jeito como respondeu determinada mensagem, em como devem estar pensando sobre ela, e um monte de outras paranoias.
Então, mais do que em qualquer outro tempo somos levados falsamente a pensar em nossa vida como se fosse uma empresa. E muita gente passa a agir como se estivesse a todo momento nesse sistema de trocas. E os mais variados sintomas podem aparecer. É preciso prestar atenção para não adoecer, e achar que está tudo normal.
A sociedade disciplinar e repressora do século 20 descrita por Michel Foucault perdeu espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal. As pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados. Somos carrascos e vigias de nossas próprias ações. Parece que passa a existir e merecer o título de bem-sucedido apenas aquele capaz de se anular em prol da empresa, das vendas, das metas, do estar sempre disponível. Vamos sendo medidos pela quantia de dinheiro que geramos. Só se vive e existe se produz, do contrário não passamos de estorvo.
E aqueles sonhos todos, de largar tudo, ou de ser aquilo que não foi? Parece que todas essas perguntas, carregadas de genuíno sentimento humano, não podem ser feitas, tem de ficar suspensas, afinal é preciso reprogramar o cérebro para não sentir, para ter foco, para se concentrar naquilo que deve fazer, pensando numa recompensa imaginária, que nunca vem.
Mas a angústia sempre irá nos acompanhar. Fica nos esperando na esquina, no início da noite, depois de intenso dia de trabalho, e nos leva ao bar, às drogas, aos picos de ansiedade, à depressão, à outras doenças, e remédios para dormir e outros para acordar. E ao final de toda uma vida culpar os filhos, a família por toda a renúncia, por ter se anulado em prol deles. E eles, ao verem isso tenderão a repetir o que você fez a procura de uma zona de conforto que lhes acene a mínima garantia, até que um punhado de terra lhes encha a boca.
Vale aqui o conselho da Lou Andreas- Salomé: “Ouse, ouse… ouse tudo!!! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes. Se você quer uma vida, aprenda… a roubá-la!”