Já faz tempo que a gente gosta mais da representação das coisas, idealizada em seu meio e mensagem, do que da coisa real. Como duas amigas que se encontram na rua e uma delas se admira com a beleza do bebê que a outra traz nos braços. Imediatamente a mãe responde: “Você tem que ver as fotos que eu fiz dele, maravilhosas!” É da nossa essência criar histórias e ressignificados para o que vivemos. Toda literatura parece estar ancorada também nesse sentimento.
Mas nesses últimos anos parece que trocamos nossos amigos por um público. Passiva em sua subjetividade, essa plateia sempre parece estar pronta para os likes automáticos nas redes sociais.
Vivemos pressionados pela vida e pelas exigências cada vez mais intensas do espetáculo, que hoje permeia as entranhas das pessoas mais anônimas, por meio das redes sociais. Como matéria escura que invade aos poucos uma existência comum, iluminada.
Vestidos com nossa camada de pele mais superficial vamos fingindo ser nós mesmos. É uma defesa possível, necessária muitas vezes. Uma angústia por termos perdido a ingenuidade.
Como num feroz carrossel, com velocidade alterada. É um espetáculo bizarramente pessoalizado, no nível mais fundamental. Amamos só a imagem, a superfície, o que há de mais imediato, e agora já estamos cegos demais para olhar para dentro.
E a superexposição de uma falsa felicidade pode em muitos casos esconder a amargura de um vazio existencial. É importante manter a plateia robotizada, é bom para os negócios, e uma nova experiência estética.
O like importa, ainda que a vida seja secretamente insatisfatória. Influencers famosas contam sobre a ansiedade em se manter nesse topo. Muita gente voluntariamente assume o papel do palhaço do circo, que obrigatoriamente deve estar alegre e fazer rir naquele curto momento do picadeiro, mesmo que seja triste fora dele. Afinal é bom e pode render um bom dinheiro. Cada um faz e é o que quiser. Somos livres, e isso é inegociável!
Será?
Algo em nós parece pedir por um mundo onde haja menos gente cheia de certezas, polarizadas por suas frustrações e expectativas. Por redes sociais mais afetivas, e pessoas com menos ódio, ou opiniões infundadas.
Alguns de nós, só os mais sensíveis, já estão fartos do mundo ao seu redor. Clamando por uma transformação, algo que eleve a esperança de mudança, por um tempo de maior delicadeza, de mais respeito e poesia.
Bem, mas até isso tudo que escrevi aqui soa como inútil bobagem né? Afinal, o show tem que continuar e parece não haver mais tempo para o que havia de mais humano em nós.
O que vale é a espetacularização da vida, para torná-la aparentemente interessante. Perdemos para o espetáculo. Ganha mais força, para todos nós, a provocação do Nietzsche: “A verdadeira questão é: quanta verdade consigo suportar?”