Perdão e culpa são filhas do mesmo sentimento. Irmãs caminham em uma tênue linha divisória. Em muitas situações dizemos perdoar alguém para nos eximirmos de uma certa culpa, ou pela vaidade de se mostrar superior a alguém que pede nosso perdão. Numa relação amorosa, por exemplo, há uma tendência quase histérica a esse tipo de comportamento.
É de Freud a polêmica constatação de que não é o mal, mas o bem que fazemos o grande gerador de culpa em nós. Quantas vezes você disse que perdoava apenas pela falta de opção, por não ter para onde ir ou pela indisposição de se responsabilizar frente a seus novos desejos?
Perdoamos também para nos sentirmos superiores a quem praticou algo que consideramos uma traição.
É, até meio sem esforço vamos abandonando numa relação as palavras que tocam o coração por aquelas que só comunicam. Diante desse quadro, os deslizes naturalmente ocorrem de um lado ou de outro, poque somos seres desejantes, precisamos das palavras, dos gestos que falam mais à nossa alma.
Perdoar, pura e simplesmente também pode ter o efeito de nos distanciar da pessoa “perdoada”, pois com o injustificável “eu te perdôo” fica patente que não nos responsabilizamos pela atitude do outro.
No caso específico de uma traição, entre amantes ou numa amizade, o gesto de perdoar exime a pessoa traída da culpa. Mas, quanto há de culpa no traído pela pessoa que o enganou? O que a levou a tal gesto?
Há muitos momentos em que o “Perdoa-me por me traíres” é verdadeiro!
Por isso que, na maioria das vezes, em frente ao espelho o perdão reflete a culpa. E vice-versa.
Todas as grandes tradições religiosas tem o perdão no cerne de seus ensinamentos. Jesus Cristo, por exemplo, nos determina perdoar setenta vezes sete, e usa tal número como uma metáfora de infinitas vezes. E emenda que se alguém te fizer um mal para que perdoe e que se a mesma pessoa te praticar o mesmo mal a tarde, que a perdoe também.
Não pode haver nada mais revolucionário e difícil para a alma humana. Mimados que somos, nos ofendemos à mínima crítica que recebemos e passamos a evitar a pessoa. Parece uma lição impossível de se pôr em prática. “Sou humano”, uns vão dizer, “não tenho sangue de barata”, dirão outros, e eu também.
Mas nada mais provocativo e necessário, independente da crença de cada um, praticar, buscar o perdão e, principalmente, ser um bom perdoador. Do contrário, “olho por olho, e o mundo acabará cego”, como bem disse Gandhi.
Mas, também é preciso, antes de sair por aí batendo no peito dizendo que é um bom perdoador, conseguir suportar a difícil missão de se perdoar primeiro. Errar, culpar-se, perdoar-se e recomeçar, é um caminho. Tudo muito além do que é “imposto” pelos contratos sociais.
Encarar os inevitáveis silêncios que habitam nossos corações como algo que nos faz crescer é o que nos faz autênticos, autônomos. A feliz atitude de admitir nossos defeitos nos faz arquitetos de nossa própria existência, como seres singulares.