Nossa ânsia é por controle. E estar nesse lugar leva a uma das mais intensas experiencias de angústia. Ao ver-se impossibilitado de controlar a maioria das coisas, principalmente nossos próprios desejos, bate a ansiedade, a depressão.
Vivemos uma era de hiper individualismo. Em meio a um mar infinito de postagens, de fotos, há uma ânsia por identidade. Em qual discurso identitário eu me encaixo? Qual o meu lugar de fala? Sem contar o medo que muitos tem de se posicionar sobre questões relacionadas a determinados grupos, ainda que a sua posição seja de concordar ou se solidarizar.
Tempos difíceis, em que muitos esperam um erro, ou uma mísera palavra errada sua para te “cancelar”. Como se o “cancelador” em questão fosse o padrão de moral e caráter a ser seguido, sem defeitos, puro e imaculado.
E com isso, nos isolamos, e esse isolamento se acentua ainda mais nessa pandemia que não acaba.
Quando se deparar com a dificuldade, desista. Seu relacionamento está indo mal? Troque. Afinal, você foi feito para ser feliz. Esse parece ser o espírito da nossa época: ao mínimo sinal de que você vai sentir dor, se afaste.
Então, tais comportamentos hoje passam por normais e ganham cada vez mais adeptos, reforçados pelas redes sociais. Ali, amparados pela segurança do anonimato e a distância, podemos deixar de seguir alguém, desfazer uma amizade, enfim, nada é feito para durar. “É tudo líquido”, como dizia o Bauman.
Compromisso, vida de verdade, exige muitas vezes encarar os conflitos. O conflito é a estrutura básica do desejo, do relacionamento com o outro. Não cabemos dentro de um discurso, dentro de uma identidade, ou mesmo dentro de um grupo. Mesmo entre os identitários mais radicais há diversidades de comportamento, visão de mundo, que são sufocados. Como se empobrecem aqueles que renunciam a si mesmos para “caber” na fôrma e serem aceitos pelo grupo!
Talvez no fundo da enorme quantidade de pessoas com pânico, depressão e fobias tantas haja uma epidemia, não diagnosticada como tal, de transtornos de personalidade esquiva, ou evitativa. A principal característica é evitar ou temer exageradamente tudo aquilo que lhe causa conflito.
Venho de um curso de graduação em Física, onde esse tipo de comportamento fica bem evidente: ao menor sinal de dificuldade, muitos desistem do curso. Entram 50, e formam-se 5, ou 7, quando muito, 10.
Há um modo de relação crescente em nossa cultura, muito por conta da cultura digital de relacionamentos “sociais”, que facultam que diante de um momento de angústia, imediatamente passemos a evitar o outro.
Cancela-se, deixa-se de seguir a pessoa, dando um simples “unfollow”, finge-se não visualizar a mensagem enviada, entre outras atitudes do “mundo líquido”. E tudo isso ganha projeções análogas no mundo real. Evadir-se, esquivar-se, evitar parecem ser as palavras de ordem.
Essa personalidade evitativa baseia seu tratamento de ansiedades e medos, com base na tentativa de criar uma realidade suspensa para si. A pessoa vê toda a origem dos conflitos no outro, nunca nela mesma.
E nessa tentativa de se blindar, vai enxugando o mundo ao seu redor. E a coisa evolui para os espaços de socialização reais, com a falsa ideia de que “o inferno são os outros”.
Imaginam apenas que a ideia de estar com o outro deva significar conforto, segurança e nada de importunação, numa fuga total da realidade. Com isso, atrofia-se o principal mecanismo na mediação e solução dos obstáculos: o diálogo.