Aos domingos, depois da missa, meu pai costumava passar no bar do seu Luiz para tomar uma cerveja e conversar com os amigos. Por volta de uma da tarde, voltava para casa sempre acompanhado de um frango assado naquelas máquinas que existem aos montes nas calçadas da periferia. Almoçávamos sentados à mesa posta por minha mãe e, depois do almoço, meu pai ligava a teve e se deitava no sofá para assistir, entre um cochilo e outro, as atrações do Show do Esporte.
Confesso que na época eu não gostava muito porque o que eu queria mesmo era ver o Qual é a Música, com o Silvio Santos, mas como tínhamos apenas uma tevê meu pai tinha prioridade, pois era o seu único dia de folga.
Éramos uma família comum, cotidiana e tributável. Suburbanos buscando alguma ascensão através do trabalho. Meu pai era autônomo no ramo da construção civil e garantia para a minha mãe e eu uma vida confortavelmente boa. Com a chegada do meu irmão, a casa ficou mais cheia e mais alegre. Era um sábado, dia 15 de março de 1986, quando nasceu e, no dia seguinte, no domingo, ficamos apenas meu pai e eu em casa assistindo ao Show do Esporte com a inconfundível voz de Luciano do Valle, pois minha mãe ainda não tivera recebido alta.
Passamos a ser um quarteto fantástico, lembro de ter comentado. Juntos, minha mãe e meu pai deram a mim e ao meu irmão a educação necessária para que pudéssemos nos tornar cidadãos razoáveis em busca de um futuro melhor. Lembrei de tudo isso agora devido à morte de Luciano do Valle, que completa seis anos neste mês de abril. Não me lembro da última vez que ouvi uma de suas transmissões de futebol, mas sei da sua importância para o esporte no Brasil.
Luciano do Valle não usava bordões. Suas transmissões eram carregadas de emoção e com tamanha precisão na descrição dos lances. Narrou várias Copas do Mundo e trabalhou em diversas emissoras de televisão, porém, ficou eternamente ligado à Rede Bandeirantes – emissora na qual ajudou a cravar o epíteto Canal do Esporte.
Além de narrador, teve grande importância na promoção de diferentes modalidades esportivas, como vôlei, basquete, boxe, futebol americano e automobilismo, principalmente durante as décadas de 1980 e 1990. Foi também um dos idealizadores da Copa Pelé, cuja primeira edição teve como convidado o próprio Pelé, que jogou alguns minutos pela Seleção Brasileira.
A sua morte, de certa forma, fez morrer também um pouco do que fomos meu pai e eu, minha mãe ao fogão, a minha família, a nossa relação, os domingos com cheiro de frango assado, maionese e Show do Esporte. Hoje, vivemos separados pela distância que se construiu e na solidão de nossas tevês a cabo.
Meu pai continua sendo um torcedor roxo do Palmeiras e sentiu bastante a partida de Luciano do Valle. Bem como sentiu a de Geraldo José de Almeida (Que que é isso, minha gente!), a de Waldir Amaral (Brasil-sil-sil!), e a de Fiori Gigliotti (Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo). Mais do que bordões, a voz de Luciano do Valle sempre vai remeter ao mais profundo e intenso da minha meninice e àqueles domingos intermináveis e inesquecíveis.
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