A realidade de muitas crianças, infelizmente, é de crueldade e maus tratos dentro da própria casa. Os dados apontam que neste período de quarentena muitas vêm sofrendo ainda mais. “As crianças e adolescentes são portadores de direitos fundamentais, que asseguram inclusive o direito de não sofrer abuso e exploração sexual. No entanto, continuam a ver os seus direitos violados. Com a quarentena, o número dos abusos estão gigantescos. O abuso sexual, assim como, a violência física e psicológica infantil está aumentando muito neste período para combate a COVID-19 (em alguns municípios mais de 50%), sendo que, 90% dos agressores são familiares”, afirma a Advogada e Presidente da Comissão da Infância, Juventude e Adoção da 4ª Subseção da OAB de Rio Claro, Maisa Cristina Nunes.
Para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) o estigma relacionado ao Covid-19 deixou algumas crianças mais vulneráveis à violência e ao sofrimento psicossocial. Em Rio Claro, no mês de abril foram 79 denúncias feitas ao Conselho Tutelar. O município conta com 52 crianças e adolescentes em abrigos
No Brasil, todos os dias, são notificados, em média, 233 agressões de diferentes tipos (física, psicológica e tortura) contra crianças e adolescentes de até 19 anos. Boa parte tem como autores pessoas do círculo familiar e de convivência das vítimas.
MAIO LARANJA
Maio Laranja é o mês de luta e proteção das vítimas e tem o dia 18 como o dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de crianças e adolescentes que busca movimentar a sociedade para incentivar as denúncias e modificar essa triste realidade. “O ato do abuso sexual tem sentido amplo. Não é somente o estupro, mas, também qualquer ato que utilize da figura da criança ou adolescente para satisfazer o erotismo do agressor como, por exemplo, o toque; beijos; carícias; carinhos inapropriados; pornografia visual; entre outros. Por esse motivo, muitas vezes essas atitudes confundem a vítima, que acaba acreditando que é apenas um carinho”, alerta a advogada.
RIO CLARO
Em Rio Claro, de janeiro a abril foram registrados 10 casos de estupro de vulnerável, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP). No ano passado, o total foi de 43. Em 2018, 29 registros. No estado, somente neste ano, foram 456 casos de estupro de vulnerável consumados.
ALERTA
Por isso, sempre é importante estar atento para atitudes e comportamentos suspeitos. Assim como ser seletivo com as pessoas que convivem com os menores, pois, infelizmente, as estatísticas apontam que na maioria das vezes o agressor é conhecido da família ou parente, que usam do vínculo de confiança para a prática do crime. “Os pais, responsáveis e professores devem orientar as crianças sobre os perigos, conscientizando sobre os limites e a diferença entre um carinho e o gesto abusivo. É prudente também evitar o hábito de ensinar a criança a beijar pessoas fora do núcleo familiar; dar o nome correto para cada parte do corpo, ensinar a criança a identificar as partes íntimas; e, principalmente, procurar apoio profissional quando necessário e denunciar o agressor às autoridades competentes”, salienta Maisa.
Os familiares precisam identificar o abuso que, muitas vezes, são aparentes e perceptíveis como: mudança de comportamento; por meios de desenhos; comportamento extremamente infantil; problemas escolares; violência física; doenças sexualmente transmissíveis ou gravidez; entre outros. “O Estatuto da Criança e Adolescente vem sendo alterado sistematicamente para buscar punir severamente os agressores, sendo considerada uma das leis mais avançadas internacionalmente”, avalia.
Como já citado, as agressões acontecem de várias formas, algumas com palavras no dia-a-dia que podem influenciar no desenvolvimento da criança. “Muitos pais também praticam violências físicas ou psicológicas contra os próprios filhos. Ficam humilhando, ameaçando, chamando de ‘burro’, fazendo comparações constantes entre irmãos, entre outras atitudes extremamente prejudiciais”, ressalta a advogada.
Para a advogada, além da legislação que deve garantir o bem estar desse público, novas ações devem ser implementadas. “O Estado precisa atuar na prevenção com a conscientização sobre o enfrentamento do tema e incentivar as denúncias com implementação de políticas públicas e campanhas de conscientização. Também deve trabalhar o fortalecimento dos vínculos familiares com apoio dos órgãos competentes como CREAS, escola, conselho tutelar. O tema não é fácil, pois, a sociedade acredita que o Estado quer interferir no direito de educar. Todos devem reunir esforços no sentido de oferecer um lar saudável que é importante para o desenvolvimento da criança e do adolescente”, observa Maisa.
VIOLÊNCIA SEXUAL FIGURA EM 11% DAS DENÚNCIAS
Dos 159 mil registros feitos pelo Disque Direitos Humanos ao longo de 2019, 86,8 mil são de violações de direitos de crianças ou adolescentes, um aumento de quase 14% em relação a 2018. A violência sexual figura em 11% das denúncias que se referem a este grupo específico, o que corresponde a 17 mil ocorrências. Em comparação a 2018, o número se manteve praticamente estável, apresentando uma queda de apenas 0,3%. Os dados que fazem parte do balanço do Disque 100 foram divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).
A ministra Damares Alves comentou que a violência sexual deve ser tratada com ainda mais atenção. “Os outros tipos de violações são claramente visíveis, a violência sexual, não. Na maioria das vezes, é silenciosa. Ela aparece como a quarta no balanço. Mas será que é a quarta que mais acontece, atrás de outras três, ou a quarta denunciada?”, questionou.
O crime é classificado em abuso ou exploração sexual, sendo a principal diferenciação o fator lucro. Enquanto o abuso sexual é a utilização da sexualidade de uma criança ou adolescente para a prática de qualquer ato de natureza sexual, a exploração é mediada por lucro, objetos de valor ou outros elementos de troca.
O levantamento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos – ONDH permitiu identificar que a violência sexual acontece, em 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do suspeito, mas é cometida por pai ou padrasto em 40% das denúncias.
O suspeito é do sexo masculino em 87% dos registros e, igualmente, de idade adulta, entre 25 e 40 anos, para 62% dos casos. A vítima é adolescente, entre 12 e 17 anos, do sexo feminino em 46% das denúncias recebidas.
DENÚNCIAS
Muitos casos eram identificados por profissionais das escolas, porém com as unidades fechadas, muitas vítimas podem estar em situação vulneráveis, cabe à pessoas próximas avaliar cada situação e realizar as denúncias.
O Disque 100, o app Direitos Humanos e o site da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos – ONDH são gratuitos e funcionam 24 horas por dia, inclusive em feriados e nos finais de semana. Os canais funcionam como “pronto-socorro” dos direitos humanos, pois atendem também graves situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso, acionando os órgãos competentes e possibilitando o flagrante.
Foto: Divulgação