Foi aos 12 anos que teve a certeza de que seria um grande homem. Daqueles cujo nome impõe respeito e cuja presença é temida. Os pais, não muito atentos às fantasias de Viktor Born, consideravam aquilo uma tola pretensão.
O tempo passou para Viktor. Os pais se foram, o diploma não veio e os sonhos, todos eles, se desfizeram. Alguns até que surgiram de modo muito lindo em sua vida. O primeiro beijo, seguido de um sorriso e uma singela declaração. Os primeiros choros durante a noite, de uma criança arteira, embora doente, que o chamaria de pai.
Ganhava a vida como operário de fábrica. Nunca era promovido, embora se dedicasse ao máximo. Seu jeito sisudo, calado, o fizeram perder oportunidades. E sua falta de atenção e jeito para com as mulheres, o fizeram perder a esposa. Sua falta de melhores recursos, lhe tomaram o filho das mãos, implorando por atendimento no corredor de um hospital, que demorara a vir.
Perdera tudo Viktor Born. Menos a fé em Deus e o amor à vida. Ainda que não soubesse muito bem expressar tais sentimentos. Era algo muito de si. Algo que desconhecia palavras.
Tinha por hábito ir à missa aos domingos. Mas não se envolvia com os afazeres e iniciativas da comunidade. Era o último a chegar e o primeiro a se retirar. Gostava de não se fazer notado.
Viktor Born, aos 45 anos, preferia a conversa rápida e habitual com as plantas e os animais, porque achava o semelhante muito complicado e indigno de confiança. A vida lhe ensinara a não confiar nas pessoas. Havia mais honestidade na natureza que tanto admirava.
Por esse motivo, naquela tarde de sábado, dia de finados, surpreendera-se pensando no filho que não vira crescer
Perguntara-se o que fazia ele, o menino, naquele exato momento? A que se dedicava no outro plano da vida? Qual seria agora a sua fisionomia? Estaria feliz? Em paz? Tomara que sim! – dissera a si mesmo cheio de esperança.
Esses dias de solidão aos quais se impusera, o haviam levado a tais reflexões. Sentira algo que não era comum. Batera a saudade! E viera forte, avassaladora. E fizera estragos profundos, quase irreparáveis, em sua mente distraída e em seu coração desprotegido.
O que o filho pensaria dele, se pudesse vê-lo levando aquela vida? Uma vida vazia, sem brilho e sem cor.
Manhãs como aquela, nas quais dedicava-se a registrar esses pensamentos em seu velho caderno de notas, não se repetiriam. Viktor Born não era um homem dado a ceder às evidências e nem àquilo que não acreditava. Permitia-se, quando muito, a um exercício de imaginação, como naquele instante, enquanto ouvia os pássaros a celebrar o novo dia na fiação do poste de luz em frente à sua casa.
Escrever estas linhas, quando as palavras parecem escondidas e sufocadas, parecia não lhe fazer bem. Traziam lembranças indesejáveis e despertavam sentimentos que julgava sepultados na cova profunda de sua indiferença. A saudade do filho que saíra de cena, muito antes da hora. Muito antes do combinado e do prometido.
Será que Ingo, agora, me ouve? – foi a pergunta que fizera a si mesmo, no silêncio de sua mágoa doída. Será que sente as batidas mais apressadas do meu coração? Será que vasculha os meus pensamentos? E o que diria sobre os mesmos, acaso pudesse dizê-lo?
Talvez, possa. Porque, os que amam e amam de verdade, sempre encontram um modo de expressar esse amor.
Então, Viktor Born, ainda que contrariado, concluiu com alguma esperança que, quando bate a saudade, daqueles que se foram, antes de nós, é porque eles, agora, estão juntos de nós, juntinho.
Ou talvez, sejam aquelas flores que encantam nosso olhar, talvez sejam os pássaros, pequenos e tão confiantes, tão felizes, que sobrevoavam nossas cabeças, cantando, sempre.
Talvez seja a brisa da manhã outonal que acaricia nossos rostos, a voz que fala ao nosso coração, baixinho, de um modo tão carinhoso, tão especial, e que nos dá a certeza de que não estamos sós por mais que a realidade nos diga e nos tente convencer do contrário. Não, não estamos sós. Porque não há distância entre aqueles que se amam.
Não estamos sós, filho. Filho, querido! – Viktor Born deitara o lápis e fechara o caderno, abandonando ambos, na mesa, atrás de si, indo observar no quintal, a chuva que começava a cair.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Imagem ilustrativa/Reprodução da internet