Nascido na cidade de São Paulo, Elcio Barretti, desde muito cedo, esteve próximo da música e, com o decorrer do tempo, fez dela a sua vida e a sua profissão.
Nos Anos 1970, montou sua primeira banda, a Neurônios Flácidos e, depois de participar do Festival de Águas Claras com o Grupo de Rock Progressivo Mitra, dividiu o palco com Arrigo Barnabé, além de, na década seguinte, fazer parte da biografia e ser um dos pilares do Capital Inicial, produzindo os seus dois primeiros discos e integrando como membro oficial entre os anos de 1987 e 1992.
A primeira vez que ouvi o som do teclado sob o comando de Bozzo Barreti foi na introdução da canção ‘Fátima’, última faixa do Lado B do álbum de estreia lançado em 1986 e que, aliás, está entre os meus favoritos, talvez por guardar ainda, passados mais de 30 anos, aquela sonoridade pós-punk que soa algo entre The Smiths e Echo & the Bunnymen. Ali, o então produtor do conjunto, vindo de Brasília, fundiu as brocas do firme alicerce que mantém até hoje o atual quarteto comandado por Dinho Ouro Preto nas Paradas de Sucesso.
A partir dos Anos 2000, realizou diversos trabalhos com inúmeros ícones da Música Brasileira até que, em 2013, Barretti fundou junto dos velhos amigos de vida e de alma Murilo Lima, Geraldo Vieira, Dino Verdade e Carlos Pera, a espetacular Brotheria. Criada com o intuito de resgatar o rock que corre nas veias dos integrantes, o resultado foi um repertório de composições próprias de Primeira Grandeza que foram reunidas no primeiro CD, que recomendo a todos os leitores do Centenário.
ODAIR FAVARI – Consta da pesquisa que fiz a seu respeito que você é Maestro formado pela Universidade de São Paulo (USP). Entretanto, gostaria de saber como e quando a música entrou em sua vida e de que forma, ou melhor, em que momento, decidiu que era o que queria seguir fazendo?
BOZZO BARRETTI – A música entrou em minha vida desde sempre. Quem sabe até, de outras vidas, porque, com nove meses, era uma atração na vila onde morava, o Ipiranga, em São Paulo, por ser um bebê que assobiava canções. Aos cinco anos, meus pais compraram um piano para que meu irmão mais velho estudasse e comecei a tocar de ouvido. A decisão final foi quando estava no cursinho pré-vestibular.
Pouco antes, havia participado de um Festival de Música em um colégio próximo de onde estudava e Arnaldo Dias Baptista [do Mutantes] era o Presidente da Mesa Julgadora. Enquanto todos os jurados deram Zero para todos os quesitos da nossa apresentação – eu tinha uma banda chamada Neurônios Flácidos (risos) –, Arnaldo deu dez e ali bateu algo de diferente! Meu ídolo da época veio falar comigo nos bastidores! No cursinho, uma grande amiga me convenceu de que eu não havia nascido para cursar Publicidade, e sim Música. Na hora da inscrição do Vestibular, tomei a decisão correta!
ODAIR FAVARI – Você produziu o primeiro álbum do Capital Inicial, além de integrar a banda oficialmente a partir do segundo disco e, em minha opinião, é o responsável pela sonoridade que diferenciou o grupo dos demais daquele período chamando a atenção de uma galera jovem que ficou eternamente fã. Por que decidiu deixar o grupo no início da década de 1990? O que aconteceu?
BOZZO BARRETTI – O relacionamento de uma banda é mais ou menos parecido com um casamento, mas de várias pessoas ao mesmo tempo. Uma briga minha com o Dinho, cerca de seis meses antes da minha tomada de posição de abandonar o grupo, foi o que iniciou o processo de desgaste. Até então, éramos parceiros de composição de quase tudo que tocava nas rádios. A gente encabeçava a estética do Capital Inicial. Com a briga, mesmo depois de pedidos de desculpas – ocasião em que chegamos até a chorar, porque éramos grandes parceiros e, para mim, o Dinho era praticamente um irmão mais novo –, o relacionamento profissional ficou abalado. Com outras coisas mais que aconteciam, de modo geral, acabei distanciando e atirando a toalha.
ODAIR FAVARI – Logo depois de você sair, em 1992, salvo engano, Dinho também deixou o grupo e entrou o Murilo – que hoje está à frente da Brotheria, sua banda que, aliás, adoro e que falaremos a seguir –, porém, o período já estava menos favorável para o rock nacional e o disco ‘Rua 47’ ficou meio esquecido na discografia. O que você acha que aconteceu, não apenas com o Capital, mas com a música brasileira a partir da segunda metade da década de 1990?
BOZZO BARRETTI – O foco das rádios mudou. Como é de se esperar, pois tudo é cíclico. O ensino no Brasil caiu demais e propiciou a entrada de músicas mais populares nas rádios. Aquilo que não era aceito até os Anos 1980, passou a ser o Mainstream. A música passou a ser encarada, também, apenas como diversão, uma coadjuvante das festas! Quem ia às festas, ia para dançar, beber, se drogar, embalados por música. Haja vista que hoje as pessoas vão se divertir em lugares onde tocam Cover, porque ninguém quer ouvir algo novo e pensar a respeito do que está ouvindo. Querem algo que já ouviram antes ou o que ‘está bombando’! Há uma aposta internacional de que o Rock volte por volta do ano 2020. Caso isso aconteça, com toda certeza ficarei muito feliz!!!
ODAIR FAVARI – O que você fez depois de sair do Capital Inicial? Sei que tocou com alguns músicos, que criou projetos paralelos, enfim, gostaria que destacasse, cronologicamente, quais os mais importantes trabalhos em que esteve envolvido e que acredita merecerem destaque?
BOZZO BARRETTI – Bom, logo após a minha saída, voltei a me dedicar aos estúdios, coisa que já fazia antes de entrar no Capital. Fiquei sócio de uma Produtora de Publicidade (olha a vida dando voltas e eu chegando à publicidade) chamada Vice Versa, onde um dos sócios era o Sá, de Sá e Guarabyra. Criei um grupo de rock muito pesado e complexo chamada Ausgang (uma reedição da mesma banda criada nos Anos 1980, quando voltamos de uma turnê na Europa com Arrigo Barnabé, na qual tinha Geraldo Vieira, Duda Neves e eu – todos ex-Tubarões Voadores).
Duda deu lugar a Alaor Neves e reeditamos o grupo, que foi contratado pelo selo Tinitus, do Peninha Schmidt. Porém, como dito acima, o Rock estava despencando e o trabalho não era nem um pouco (intencionalmente) comercial. Depois da minha saída da Produtora, criei junto dos amigos Marcelo Barbosa, Fábio Caetano, Elias Almeida e Junno Andrade um grupo de compositores que atua muito em Trilhas de Novelas.
Atuei bastante no Sertanejo no início dos Anos 2000 com a geração de Zezé Di Camargo como arranjador e produtor, mas com a entrada do Sertanejo Universitário, acabei desistindo, pois as produções caíram muito de nível. A criatividade, que já era limitada, mas com aberturas para ideias que eu gostava de utilizar, passaram a não integrar a linguagem que os novos artistas queriam. Atualmente, produzo artistas da cena independente, o que me deixa bastante satisfeito, porque acabo tendo mais pessoas com ideias e talento que não estão apenas preocupadas com o que pode dar certo nas rádios.
ODAIR FAVARI – Com certo distanciamento de tempo, como você avalia o rock produzido nos Anos 1980? O que tinha de mágico naquele período?
BOZZO BARRETTI – Os Anos 1980 deixaram um grande legado de canções. O Pop Rock Nacional era preocupado com o teor das letras. A sonoridade deixava a desejar, porque a Onda Digital estava invadindo o mercado e todos ficamos envolvidos naqueles sons meio falsos de teclados, baterias eletrônicas, guitarras altamente processadas em racks de efeitos e o som real dos instrumentos ficou esquecido. Tudo era magro. O peso do Rock, propriamente dito, sumiu, porque essa era uma característica da Música Pop, ou seja, seguir tendências, mas ainda que datado, as canções sobreviveram devido ao talento dos criadores envolvidos.
ODAIR FAVARI – Como você avalia a produção musical que chega ao Grande Público nos dias atuais?
BOZZO BARRETTI – As que chegam ao Grande público, cada vez mais descartáveis! O desafio é saber se ou quais das criações sobreviverão 20, 30 anos. Será? Os 15 minutos de fama estão cada vez mais próximos. O grande vilão, repito, é o ensino. O nível do brasileiro comum está muito baixo e as criações seguem este nível. E não é uma questão de Classes Sociais, posto que o baixo nível da criação invadiu toda a sociedade. Estamos na era do ‘Tamo fazeno’, ‘Tamo criano’, ‘Tamo dançano’. É só olhar as conversas nas redes sociais e ver que estamos à beira de um precipício!
ODAIR FAVARI – Você está à frente da Banda Brotheria e já lançou um álbum – que, cabe ressaltar, é o que mais toca em minha casa e no meu carro, pois minha mulher e eu adoramos! – de canções com letras intrínsecas e uma sonoridade peculiar. Como teve início o projeto? Conte como foi que aconteceu a reunião entre os músicos e como definiram o conceito musical.
BOZZO BARRETTI – Uau, brother, muito obrigado, de coração! Bom, a ideia da Brotheria vem de mais de dez anos atrás, quando quis montar um show que revisasse a minha carreira de compositor e produtor, focando o Rock e no qual teriam muitas músicas que ouvia durante a minha formação e mesmo que fossem MPB, teriam uma leitura Pop Rock. Passei por algumas tentativas de montar o time. A ideia era ter apenas ex-integrantes de alguma banda. Foi ficando difícil. Em um certo momento, chamei um empresário amigo, Julio Quatrucci, para ser o cantor e foi quem trouxe o baterista Dino Verdade à formação inicial.
Dino é um grande empreendedor, além de um excepcional baterista e me incutiu na cabeça um método para conseguir fazer com que os possíveis integrantes comprassem a ideia de fazer parte da Brotheria: ou tinham tempo para vir aos ensaios ou não fariam parte do grupo. Aí, as coisas começaram a andar. Chamei o Geraldo Vieira, grande parceiro e um dos melhores baixistas da História do Rock; depois, via Facebook, fiz uma convocação e apareceu um velho amigo, o Carlos Pêra, que assumiu as guitarras; e, completando o time: Murilo Lima – cuja banda, o Rúcula, já havia produzido no início dos Anos 1990, razão pela qual, aliás, teve aproximação do Capital. De repente, vejo que o Rúcula iria fazer um revival na Fnac.
Quando o vi no palco, pensei: é ele! Essa é a voz da Brotheria! Mas demorei alguns meses para chamar para um papo, porque não queria atrapalhar nada que dissesse respeito ao Rúcula. Não sabia, mas aquele show era apenas um encontro de amigos e, no dia que conversamos, Murilo nem esperou muito e já deu o ok! O conceito inicial do meu projeto foi abandonado quando comecei a compor algumas novas músicas com o pessoal incentivando a ter mais inéditas. Sou um compositor compulsivo e assim foi! Pouco tempo depois, tinha muita, mas muita música e com a cara que todos queriam tocar. A estética do som, via de regra, é livre. Gosto de transitar por vários gêneros e na minha criação tem uma pitada de MPB e de Rock, porém, no fim das contas, tudo soa muito Anos 1980. A Raiz vem de lá. Melodias trabalhadas, um refrão com força e letras muito pessoais, diria até testemunhais.
ODAIR FAVARI – Além das músicas muito bem produzidas e com um timaço de profissionais, vocês têm produzido ótimos videoclipes. Há a intenção e/ou a possibilidade de gravarem um DVD? Para quando? E um segundo disco, há uma previsão?
BOZZO BARRETTI – A Brotheria entrou em recesso meses atrás, quando perdemos nosso empresário. No momento, estamos conversando com um novo possível empresário, porque necessitamos de alguém que faça esse tipo de trabalho. Uma ideia que temos pensado é começar a criar conteúdos novos para a Internet, mesmo que sem uma gravação definitiva de estúdio, para termos um feedback dos nossos fãs mais chegados. Os clipes são produzidos pela Baobá Art, empresa que tem minhas duas filhas e meu genro à frente. O DVD, no momento, ainda é algo difícil de pensarmos em produzir devido ao custo, mas seria muito bom, porque a Brotheria tem uma performance muito forte Ao Vivo. Um segundo Álbum? Tudo depende do que conseguirmos fazer de shows daqui para frente. Músicas, tem sobrando (risos).
ODAIR FAVARI – Deixe a agenda dos próximos shows da Brotheria. Aliás, quando a banda vem para a Cidade Azul?
BOZZO BARRETTI – Como estamos sem empresário, tiramos um tempo para tocarmos outros projetos. Uma espécie de Ano Sabático.
ODAIR FAVARI – Como um Homem da Música, o que espera para o futuro da produção musical no Brasil? E o que falta para que a boa música volte a ser a mais tocada nas éfeêmes?
BOZZO BARRETTI – A éfeême depende de faturamento. As emissoras visam público e não esse ou aquele tipo de música, pois são empresas. Nos tempos que as gravadoras mandavam no mercado, havia alguma chance de intervirem e ditarem alguma tendência, mas, atualmente, as coisas são difíceis. O Jabá era pago por elas e elas podiam pedir isso ou aquilo, porém, hoje os Jabás são pagos por investidores independentes, sem a menor preocupação com a qualidade ou a cultura.
Tudo depende de uma explosão na Internet para, eventualmente, mudar o curso. Enquanto não tivermos mais cultura nas escolas, fica mais complicado. Temos que ter Música no Currículo Escolar. E quando digo Música, digo Música mesmo, não apenas Cantar o Hino Nacional, como quando se estudava Canto Orfeônico. Quando voltarmos a saber ler, a escrever e a interpretar um texto, a chance de uma boa música voltar aos ouvidos de um grande público será maior. Tem gente criando boas músicas, como sempre, mas falta o espaço espontâneo.
ODAIR FAVARI – Deixe uma mensagem musical aos leitores do Diário do Rio Claro – o Arquivo Histórico da Família Rio-Clarense.
BOZZO BARRETTI – Mostrem boas músicas a seus filhos, netos!
BATE-PRONTO
Quem é Bozzo Barreti? Um entusiasta da música.
Para mim, a música é? Um alimento pra alma.
Beatles ou Rolling Stones? Putz!!!! Beatles ganha por uma cabeça! Mas, no passado, Rolling Stones ganhava!
Roberto ou Erasmo? Erasmo.
Inesquecível: Tocar no Rock in Rio.
Para esquecer: Algumas composições do álbum ‘Você não precisa entender’, do Capital Inicial.
Saudade: Do tempo que se tocava música pela paixão e não pelo dinheiro.
Expectativa: A volta do Rock como Mainstream.
Um lugar: Barcelona.
Um momento: O nascimento da minha neta, Laura.
Um ídolo: Ayrton Senna.
Um sonho possível: Fazer shows com a Brotheria em grandes palcos.
Um sonho impossível: Não tenho.
Uma frase: “Não se apaixone pela sua própria obra” – Stravinsky.
Um livro: ‘Cem Anos de Solidão’, de Gabriel Garcia Marques.
Uma música: ‘Sagração da Primavera’, de Stravinsky.
Uma banda: King Crimson.
Uma palavra que o defina: Parceiro.
Mudaria de calçada ao cruzar com: O Capeta! (risos)
Mal maior: O Egoísmo.
Não merece meu respeito: O Político.
A Política é: Um Lixo!
Não simpatizo, mas respeito: João Gilberto.
Não respeito, mas simpatizo: Meu respeito é irrestrito.