Rei do turismo brasileiro nasceu em Santa Gertrudes e morreu pobre depois de ser um dos milionários do país.
Apesar de ligado a magnatas fazendeiros, ele financiou revoluções, foi anfitrião de reis, rainhas e príncipes. Tinha cassinos em cinco estados. O rio-clarense Alberto Quatrini Bianchi (foto) produziu a fina e hábil expansão de hotéis e cassinos no Brasil com apoio de Getúlio Vargas nas décadas de 1930 e 1940. O período foi de luxo e bom gosto quando fortunas de magnatas do café passaram a ser investidas em cassinos.
Perfil
No início da indústria turística, duas figuras lendárias comandaram o processo. Um daqueles investidores era de Rio Claro. Ele ficou conhecido como o Rei do Turismo Nacional. Morreu no Guarujá como garçom em um dos hotéis que foi seu. Filho de Domingos Bianchi e Catarina Quatrini, ambos italianos, nasceu no distrito de Santa Gertrudes, em Rio Claro, no dia 28 de maio de 1892. Cursou o primário em escola pública de Rio Claro.
Autodidata, falava quatro línguas. De sua família, há a informação de ter sido casado com Antonieta e ter o irmão Severino, um de seus principais gerentes.
Era amigo do também rio-clarense tenente revolucionário Siqueira Campos. Apesar de profissionalmente ser associado à elite conservadora e milionária de fazendeiros do café, Alberto Bianchi foi simpatizante e financiador das revoluções tenentistas de 1924 e 1930, o que lhe valeu relação confidencial e íntima com Getúlio Vargas.
Entre outros rio-clarenses de seu círculo de amizade estiveram os irmãos Fina, em especial o advogado revolucionário João Fina Sobrinho, a cantora Dalva de Oliveira e Adelino Rodrigues Jordão, cunhado de José Eduardo Leite. Em Rio Claro ele se recolhia periodicamente a uma chácara na região do Jardim Mirassol. Elegante e uma das personalidades mais famosas de sua época, morreu modestamente depois de ser um dos grandes milionários do Brasil. Além de proprietário ou arrendatário de hotéis e cassinos nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Maranhão, Pernambuco e Rio de Janeiro, foi explorador de minas de ouro, minério e de hidrelétrica em Minas Gerais. Recebeu título de cidadania do município de Guarujá, onde há uma rua com seu nome. Memórias Sua memória ficou preservada como símbolo de elegância e da cordialidade brasileira. Jovens da realeza europeia e estrelas de Hollywood eram seus clientes assíduos.
Seu círculo de confidentes reuniu Getúlio Vargas, Luis Carlos Prestes, Assis Chateaubriand, Santos Dumont, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Juscelino Kubitschek, governadores, militares e membros das famílias Matarazzo e Guinle. Aristas de teatro, rádio e cinema atiravam-se a seus pés para se apresentarem em shows em seus hotéis e cassinos. Lançou estrelas da mídia. Era concorrente e amigo de Joaquim Rola, o outro grande investidor do ramos de hotéis e cassinos, o único que teria condições de disputar com Bianchi o título de Rei do Turismo Nacional entre as décadas de 1930 a 1960. Ironicamente, ambos terminaram a vida na praia. Rola jogando peteca nas areias do Rio de Janeiro. Morreu de insolação.
Quatrini acabou em humilde ostracismo no Guarujá. Outro símbolo da elite nacional da mesma época, cabe lembrar, terminou empobrecido. Ainda recentemente Jorginho Ghinle, exproprietário do Copacabana Palace, despediu-se da vida como funcionário do famoso hotel.
Trajetória
Bianchi foi proprietário ou arrendatário dos cassinos, termas balneárias ou hotéis: Pale Hotel de Ouro Preto (MG), Palace Casino de Poços de Caldas (MG), Hotel de La Plage e Cassino de Guarujá (SP), Hotel Palace de São Luis (MA), Hotel Palace do Recife (PE) Hotel e Cassino Palace de Salvador (BA), Icaraí Hotel (RJ), Serra Negra Hotel (SP), além de dezenas de cassinos no Rio de Janeiro e demais estados. Seu último grande empreendimento foi o Grande Hotel Guarapari (ES). Tudo começou nos anos 1920.
Com base na novidade europeia de turismo em estâncias de águas termais. O Brasil descobriu e investiu no mesmo filão de ouro. Tudo, no entanto, tinha de ser feito no setor. Até ali, nada existia num país rico em tais recursos. Faltava a infraestrutura. A referência internacional no país era a cidade do Rio de Janeiro, insalubre, contaminada por pestes, sem hotéis e demais opções. Alguma qualidade de recursos turísticos era encontrada apenas em Campos do Jordão (SP) e Caldas Novas (GO). Mas faltava quase tudo. Pela tradição brasileira, ilustres internacionais, entre eles reis e rainhas, eram recebidos nas residências dos governantes locais.
O turismo interno era de passageiros. Durava de um dia para o outro, entre embarque e desembarque de navios na costa. Tendo em vista as comemorações do Centenário da Independência (1922), o presidente Epitácio Pessoa resolveu investir no setor, estimulando a construção de hotéis no Rio de Janeiro e, para sustentalos, liberando a atividade de cassinos. Cassinos eram licenciados à taxa de 15% para saneamento básico e saúde, principais problemas do Rio de Janeiro, a capital do país.
Então, nasceram o Copacabana Palace e o Cassino da Urca, precursores da grande festa. A criação da Varig em 1924 impulsionou a coisa toda. Getúlio Vargas Getúlio Vargas, mais na sequência, foi a inteligência brilhante do ramo. A partir de 1934, não apenas liberou oficialmente a jogatina em balneários e estâncias termais como estimulou convênios entre União, estados, municípios e a iniciativa privada para investimentos milionários em turismo. O objetivo era superar tudo o que existia de melhor na Europa e Estados Unidos. Os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Pernambuco entraram imediatamente na história com investimentos jamais vistos.
Com recursos públicos, privados e mistos, foram construídos hotéis e cassinos, sempre com base na alegada importância medicinal das águas termais de cada localidade. Na prática, tudo girava em torno do prazer, do jogo, do ócio elegante e do bom gosto. O requinte oferecido, obrigatoriamente, tinha que satisfazer exigência dos mais ricos do mundo.
E isso foi conseguido com grande competência. Jamais o País viveu um período de luxo e ostentação como o experimentado até 1947, data da proibição definitiva do jogo pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Panorama Os magnatas do café investiram pesado em balneários e cassinos. O turismo era visto com salvação nacional. A riqueza do café era coisa do passado. Agora, a questão era investir em serviços qualificados. E consumi-los.
Gastronomia fina, mulheres, luxo, orquestras, artistas pagos a peso de ouro, drogas não regulamentadas e tudo o que milionários podiam desfrutar havia nos cardápios dos hotéis e cassinos justificados pela qualidade medicinal de suas águaa. Tratamento de saúde era tudo de bom. E em excesso. Holywood alardeava o charme dos cassinos. O cinema rodou “Flyin Down Rio”, com Fred Astaire e Ginger Rogers no Rio de Janeiro. O Brasil fervia. Carmem Miranda era símbolo maior do encanto nacional em todo o mundo.
Amantes Político, arguto e felizardo, Alberto Quatrini Bianchi entrou nisso pela porta da frente, via Getúlio Vargas, amante de cassinos. E de mulheres.
Em Poços de Caldas, por exemplo, o ditador-presidente dispunha de suíte especialmente decorada aos moldes de seu gabinete de governo no Rio de Janeiro para desfrutar dos encantos de sua amada amante, famosa na literatura histórica. O quarto existe até hoje. As crônica sociais registram que ele manteve romances com as cantoras Linda Batista e Ângela Maria, a poetisa Adalgisa Néri e a famosa vedete Virgínia Lane.
Nenhuma das amantes superou sua paixão por Aimée Souto Maior, considerada uma das mulheres mais bonitas de seu tempo e casada com seu oficial de gabinete. Na época, Getúlio e a esposa Darci já dormiam em quartos separados. Ela cumpria rigorosamente os compromissos de primeira dama.
Outra história
Outro controverso caso extraconjugal envolvendo presidente da República remete ao Hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. Desta vez tendo como protagonista Washington Luiz. Ele foi presidente entre 1926 e 1930.
Foi o antecessor de Getúlio. Era casado (e infiel) com Sofia, filha de Rafael Tobias de Barros e neta de Antonio Paes de Barros, fundador de Rio Claro.
Amante de diversão e boêmia, culto, frequentador de modernistas, Washington Luiz foi bom governador de São Paulo e mau presidente. Tipo vaidoso, bonitão e convincente, ele tinha uma amante italiana linda chamada Vichi Maurich.
Ela morava no apartamento 235 do Palace. Era marquesa. Na madrugada de 23 de maio de 1928, o casal passou de uma discussão para as vias de fato. Ele acaba sendo alvejado por um tiro no abdome disparado pela amante. Às pressas, o presidente é atendido em um hospital. O caso é abafado. O boletim médico registra internação por crise de apendicite aguda. A jovem marquesa de 28 anos suicida-se se atirando da janela do hotel. Quanto à primeira dama, ela sempre foi leal e conformada com as puladas de cerca do marido. Nas poucos fotos, Sofia sempre aparece triste. Morreu a 28 de junho de 1934 em Lausanne, na Suíça. Washington Luiz foi deportado com a revolução de 1930 e voltou para o Brasil em 1947. Naquele ano visitou Rio Claro.
Poços de Caldas As crônicas sociais registraram também o glamour de Poços de Caldas, um dos pontos preferidos da elite por suas águas das Termas Antonio Carlos, pelo Palace Hotel e Palace Casino. O conjunto de obras foi inaugurado em 1930 tendo Bianchi como arrendatário. A cidade era a Las Vegas brasileira, com instalações suntuosas e requintadas. Com teatro para oitocentas pessoas, galerias, salões de festas, orquestras, boates.
Hollywood mantinha a imagem do local. O cronista carioca João do Rio, escreveu na época que a cidade virava uma grande orgia depois das seis horas da tarde. Que os hotéis restringiam atendimentos para reservas de luxo da nata da elite em busca de prazeres. Poços de Caldas ditava a moda. Roupas exóticas que as mulheres por pudor não usavam nos grandes centros urbanos conservadores, elas exibiam pelos salões dos cassinos e ruas centrais da cidade em impecáveis desfiles de alta costura. Joias inestimáveis faziam parte da exibição. Outros cronistas registraram que médicos com especialidade em doenças venéreas fizeram fortuna na cidade.
Guarujá Quatrini Bianchi foi proprietário do Grand Hotel de La Plage, no Guarujá, local de frequência da mais fina flor de São Paulo. O ponto era o preferido de Matarazzo, Carmem Mayrink Veiga (considerada uma das mulheres mais elegantes do mundo, ela nasceu em Torrinha-SP), Assis Chateaubriand, Baby Pignatari, os Prados, além de reis e rainhas da Europa. O La Plage trazia linhas europeias e era decorado com tapetes persas. Ao seu lado, esteve o Cassino do Guarujá, explorado por Bianchi.
No hotel, Santos Dummont passou seus últimos dias. Até, em 1932, enforcar-se com uma gravata em um dos quartos, por depressão. Ele estaria abalado por saber que aviões estavam sendo usados na Revolução de 1932. “Eu inventei a desgraça do mundo”, penalizava-se. Guarujá tem vínculo histórico com Rio Claro. A cidade originou-se do projeto de urbanização empreendido pela Companhia Prado e Chaves para investimento balneário em 1892. O engenheiro encarregado da obra foi o rio-clarense Elias Fausto Pacheco Jordão. Ele era filho de José Elias Pacheco Jordão, um dos formadores e vereador de Rio Claro. Prado era presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Concorrente Joaquim Rolla, amigo e concorrente na soberania turística nacional com Quatrini, por sua vez, não fazia por menos. Como proprietário ou arrendatário, mantinha com pleno sucesso os hotéis ou cassinos da Urca (RJ), Atlântico (RJ), Quitandinha (RJ), Urca (MG), Araxá (MG), mais dezenas de outros no Rio. Sua história conta que chegou rico ao Rio de Janeiro, perdeu tudo nas roletas do Copacabana Palace e depois tudo recuperou através do jogo, até transformar-se no magnata que também foi.
Historiadores avaliam que tanto Quatrini quanto Rola conseguiram tudo o que tiveram por serem getulistas afinados. Alberto Quatrini Bianchi apostara fundo na revolução de 1930 encabeçada por Getúlio. Era um progressista e revolucionário. Feito por si mesmo, financiou a revolução por sua afinidade com outros revolucionários rio-clarenses, Siqueira Campos, João e Manoel Final. A aposta foi bem sucedida. Além de concessões de hotéis e cassinos, conquistou do novo governo concessões de minas de ouro e até uma hidrelétrica em Minas Gerais.
O fim Tudo foi muito bem até 1947. Quando o sucessor de Getúlio proibiu o jogo. O novo presidente, Eurico Gaspar Dutra, alegou questões morais para acabar com a farra dos cassinos. Más línguas, no entanto, apontam outras explicações. Inimigos de Getúlio preferem a versão de que Dutra acabou com os cassinos porque eles representavam a imagem do ditador, assíduo e animado frequentador de vários deles. Como novo presidente, ele queria acabar com a imagem de Getúlio. Seja como for, o jogo foi proibido.
Havia 71 cassinos no País. Da noite para o dia, a decisão de Dutra pegou todos de surpresa. Houve cassino que funcionou apenas um dia e acabou fechado. O desemprego atingiu 53 mil pessoas, direta ou indiretamente. A frustração foi geral, atingindo principalmente artistas. Na memória do brasileiro restou a nostalgia e a saudade de uma época de ouro.
O Brasil hoje é o único país da América Latina que mantém a proibição de cassinos. Só admite os jogos oficiais do governo. Estimativas apontam que aproximadamente 150 mil brasileiros jogam por ano em Las Vegas e Atlantic City (EUA). Quatrini Bianchi sempre esteve acompanhado de seus conterrâneos. Depositava confiança irrestrita neles para a administração de seus hotéis, balneários ou cassinos. Entre outros, manteve contrato com Adelino Rodrigues Jordão, no Guarujá, Manoel e Matias Fina, em Ouro Preto, e Fortunato Pignataro em Salvador e no Recife.
A Toca
Com o fim dos cassinos-balneários, Fortunato retornou a Rio Claro para em conjunto com Silvio Stein Schilitter montar o bar e restaurante A Toca, em 1948. Com base nos modelos conhecidos, inauguraram o estabelecimento com toques do maior requinte. Trouxeram cozinheiros do Cassino da Urca e garçons cariocas, serviam o melhor em taças de cristal, com guardanapos bordados em ouro, tudo com participação musical de grandes estrelas da Rádio Nacional, entre elas Dalva de Oliveira.
Por J.R.Sant ‘Ana Rio Claro – SP – 2019