O início – O disco foi produzido pelo jornalista e folclorista Cornélio Pires, que inaugurou a pioneira série do sertanejo com seis discos anteriores trazendo anedotas e instrumentais da lendária Turma Caipira que tocava cana verde, cururu, cateretê, catira, bate-pé, repicado, desafio e moda de viola.
Homenagem
Arlindo, Mariano e o pai de Caçulinha foram homenageados em 1979 com o troféu “Pioneiros da Música Sertaneja” concedido pela Fundação Padre Anchieta, através da TV Cultura, durante as comemorações dos 50 anos da indústria fonográfica sertaneja do Brasil.
Panorama da época
Originais do burburinho multicultural de cidades portuárias, o tango (Buenos Aires) e o jazz (New Orleans) logo ganharam espaço comercial no início da indústria fonográfica , já nos primeiros momentos de 1900, enquanto a indústria brasileira, por sua vez, incluía o samba carioca. A música caipira, no entanto, era desconhecida dos grandes centros nacionais e como expressão artística encontrava-se isolada no interior paulista, entre cidades como Piracicaba, Rio Claro, Sorocaba, Botucatu.
O estigma disseminado pelo personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato (pelo o que ele se desculparia mais tarde), contribuía para a discriminação da cultura caipira, cujo linguajar pitoresco já houvera sido condenado por lei durante o Império. No interior paulista emergia um movimento de valorização dos valores caipiras.
Modernidade
O quadro de urbanização nacional, a contar dos anos 1920, já passara a revelar a vida do interior para as metrópoles. O clima de mudança cultural no País era diferente desde a publicação de “Os Sertões” (1902), de Euclides da Cunha. Em São Paulo a intelectualidade fervia com a vanguarda modernista buscando as raízes da cultura brasileira. Nesta busca, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e outros irão estimular o escritor Cornélio Pires a promover a cultura caipira como arte.
A saga da viola
Com sete caipiras e suas violas, entre eles Arlindo Sant´Ana, Cornélio Pires procurou a gravadora Colúmbia para gravar os primeiros discos sertanejos. A proposta foi prontamente descartada sob a justificativa de rejeição de mercado. Indomável, Cornélio bancou a primeira série caipira como produtor independente. É o precursor deste tipo de iniciativa.
Contra todas as previsões contrárias, os 49 discos da série, em dois anos de gravações, foram completo sucesso e mudaram a rota da indústria musical no País. Dali seguiram shows, excursões, programas de rádio, início de venda de vitrolas pelo interior e até filmes com a presença de caipiras. O humorismo em programas de rádio, como o “Balança Mais Não Cai”, consagrou a figura do caipira por sua simpatia e sabedoria popular.
Revolução de 24
Com produção de Cornélio, Arlindo Sant´Ana foi o primeiro a compor, interpretar e a gravar uma moda de viola com tema político. É de sua autoria a legendária “Moda da Revolução”, composta em 1924 para cantar e apoiar o levante tenentista na capital paulista, movimento que deu origem à Coluna Prestes ao integrar-se a rebeldes gaúchos. Considerada a maior marcha militar do mundo, a Coluna Prestes contou com participação decisiva de rio-clarenses.
Um de seus comandantes foi o tenente Antonio de Siqueira Campos. O milionário dono de cassinos, Alberto Quatrini Bianchi, foi um de seus financiadores. O então advogado da Central Elétrica, João Fina Sobrinho, integrou-se ao grupo revolucionário durante sua passagem por Rio Claro. A “Moda da Revolução” relata os episódios sangrentos na capital de São Paulo.
Artigo do atual ministro das Comunicações, Franklin Martins, atribui o desaparecimento momentâneo da música à derrota dos paulistas em 1924, para depois ressurgir em gravação só em 1929, quando, finalmente, a causa revolucionária foi vencedora com Getúlio Vargas. Daí, então, a moda foi sucessivamente regravada. A mais recente regravação é de Rolando Boldrin, em 1992, pela RGE. Depois de Arlindo Sant´Ana, modas de viola com temas políticos tornaram-se comuns.
Pios e artesanato
Artesão em madeira e chifres de boi, biógrafos de Arlindo Sant´Ana atribuem a ele a criação dos pios que imitam pássaros. Os mesmos que fascinaram Mario de Andrade. A atribuição merece melhor verificação pela evidência de pios semelhantes haverem sido conhecidos anteriormente no interior do Espírito Santo. De origem indígena em bambu, a novidade caipira para os pios foi sua produção em madeira ou chifre de boi.
A tradicional vinculação de Arlindo àqueles instrumentos parece se justificar pelo fato de suas gravações com pios tornarem-se nacionalmente conhecidas a partir da primeira série de discos produzida por Cornélio Pires. A difusão dos pios, pela atenção remetida aos pássaros, é considerada pelos mesmos biógrafos como o primeiro manifesto artístico em defesa da fauna brasileira.
Tom Jobim
A produção artesanal de Arlindo em madeira e chifres de boi era distribuída através de lojas de São Paulo, o que projetou o nome de Rio Claro entre especialistas durante décadas. Quanto ao fato da cidade haver se tornado conhecida por isso, futura pesquisa poderá oferecer maior clareza à matéria publicada no Jornal da Tarde na edição de 9 de dezembro de 1994, página 4-A.
Em meio ao texto, tem-se ali o registro que segue. “Isso determinou o profundo amor de Jobim à natureza, a par das férias em cidades pequenas de São Paulo, como Guaratinguetá e Rio Claro, onde começou o seu aprendizado dos pios dos pássaros – sabia distinguir o canto de dezenas de pássaros – que depois quis reunir numa composição que nunca ficou pronta. Esse amor à natureza levaria mais tarde a fazer letras ecológicas”. O conteúdo se refere ao maestro Antonio Carlos Jobim, embora a tradição local não tenha referência sobre suas visitas a Rio Claro.
Mistureba
As gravações da música caipira tanto a revelaram para o País quanto representaram o seu fim. O desenvolvimento de tecnologia para a indústria fonográfica dissipou o caráter primitivo, rural e artesanal das composições.
A disputa entre as gravadoras estimulou a busca de novidades, a aposta na formação de duplas com finalidades exclusivamente comerciais, além da inclusão de instrumentos elétricos e eletrônicos. Pela amplitude do mercado em vista, ao estilo caipira foram incorporadas às músicas mexicana, nordestina, gaúcha, guarânia, country e mesmo o rock. Desta fusão resultou o que se convenciona chamar de música sertaneja.
Perfil
De família de Piracicaba radicada em Rio Claro, Arlindo Sant´Ana (1892/1979) compôs dupla com Joaquim Teixeira e depois com Sebastiãozinho. Compositor, instrumentista e cantor, gravou dezenas de discos com os selos Colúmbia, Continental, RCA, Fermata, Odeon. Suas composições foram regravadas pelas primeiras gerações de duplas e intérpretes como Inezita Barroso, Tonico e Tinoco, Vieira e Vieirinha, Zé do Rancho e Zé do Pinho, Rolando Boldrin e outros. Para alguns críticos, ele é considerado o arranjador do toque fino que caracteriza a moda de viola. Entre suas músicas podem ser destacadas “A Quebra dos Fazendeiros”, “A Vida Financeira”, “Um Cateretê da Roça”, “Virando o Couro”, “São Paulo Glorioso”, “Azul Cor de Anil”, “Moda dos Pássaros”. Vítima de acidente de trânsito e sem proteção de direitos autorais, morreu em condições de pobreza, humilde, sempre elegante, sem haver perdido o contato com os pioneiros da música sertaneja, que o visitavam constantemente em Rio Claro.Todas as referências sobre a história da música popular trazem o seu nome. Raízes Hoje trabalham com moda de viola e música de raízes paulista: Almir Satter, Mazinho Quevedo e outros.
Sobre o tema
- Flávia Camargo Toni, “A Música Popular Brasileira na Vitrola de Mário de Andrade”.
- Franklin Martins, “Conexão Política”, blog.
- Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
- Israel Lopes, “Os Pioneiros da Moda de Viola”.
- M. A. Azevedo, “Discografia Brasileira em 78 RPM.
- José Hamilton Ribeiro, “Música Caipira”.
- J.L. Ferrete, Viola Caipira ou Sertaneja?”
- Cristina Peripato, “Recanto Caipira – História da Música”.
- Rosa Nepomuceno, “Da Roça ao Rodeio”.
Por J.R.Sant´Ana