Em nossas lembranças, sempre há alguma coisa que deixou de ser dita e outras que deixamos de fazer.
Voltar depois de muito tempo a um lugar em que vivemos na infância ou adolescência, por exemplo, traz sensações e expectativas que sentíamos naquela época. Todos temos nossos momentos da Madeleine do Proust. Um cheiro, uma música, uma simples palavra oca de significados e cheia de sentidos implícitos.
Quando passamos, depois de muito tempo, por lugares marcantes onde vivemos ou passamos parte de nossa vida, a sensação é de que há algo ali à nossa espera. Uma conversa com o amigo que não terminou, uma grande ideia que não foi dada, aquele comentário que tinha de ter sido feito.
Essa volta, essa busca do tempo perdido traz consigo a sensação de que na vida bem vivida no ato de viver também significa perder.
Se o lugar está preservado como era antes, parece que tudo estava estático esperando por nós, para ser lugar novamente. Como as pedras das calçadas ainda nos lugares, as mesmas árvores e os degraus das portas de alguns estabelecimentos comerciais nos quais costumávamos nos reunir nos fins de tarde, noite adentro, adolescentes, conversando e fazendo mil planos.
Esse efeito em flashback forte me assaltou outro dia em que passei a pé pela Rua 3, entre as avenidas 14 e 16, no Centro, região em que vivi parte importante da formação da minha personalidade.
Lembrei-me de um dia em que, entusiasmados, conversávamos sobre o que cada um pretendia estudar. Um que ia ser engenheiro, outro amigo, empresário, outro, policial. E por aí a conversa foi seguindo até que percebemos que um de nossos amigos ficou quieto e não disse que profissão gostaria de seguir.
Depois de muita insistência, ele acabou desembuchando: “tá bom, eu vou falar, mas não é pra rir. Eu vou ser Ninja”. Claro, as gargalhadas foram incontroláveis, para desespero do meu colega. “Como assim, Ninja?”, perguntávamos. “Ué, não existem ninjas no mundo? Eu quero ser Ninja, caramba!”, dizia, decidido.
Boa parte das casas ainda está de pé por ali, o que se foi, cada um para o seu canto, foram os amigos de um tempo crucial na formação da nossa personalidade.
Grandes amizades. Hoje, cada um no seu destino, separados por aquilo que comumente chamamos de “correria” diária. Quando nos encontramos, a conversa retoma em segundos, a intimidade de velhos amigos, mesmo que não tenhamos tido notícias um do outro por anos.
Há aqui também uma identidade secreta que permeia as principais amizades duradouras, uma sensação de que habitamos a mesma casa, andamos naquela mesma rua nossa enquanto nossa alma ia sendo construída. E, de fato, todos viramos uma espécie de Ninjas, a lutar com fé e coragem pelo sustento de nossas famílias. Basta rever um deles, parado no sinal, ou mesmo por entre as gôndolas de um supermercado qualquer, para que no seu olhar eu mesmo me reconheça.