Outro dia, passando pela praça próxima ao Corpo de Bombeiros, que dá início à ciclovia, subitamente vi-me sobre um tapete de mangas.
Havia chovido na noite anterior e as mangas foram arrancadas do pé e arremessadas ao chão, ainda “de vez”. Exatamente como eu gosto!
Passei por elas, desviando os passos para não pisá-las. Prossegui minha caminhada pela ciclovia, lamentando não ter comigo uma sacolinha para levar algumas frutas, pois gosto de comê-las com sal, ainda meio verdes, como aquelas.
As mangas me transportaram à infância. De repente, estávamos em um pasto, eu e meus dois irmãos mais velhos, já falecidos, apreciando uma mangueira frondosa que deixava entrever, por entre os ramos, pencas de mangas redondinhas e rosadas.
Meu irmão, já alto e esperto em seus nove anos, escalou a mangueira rapidamente, e minha irmã já estava iniciando a escalada quando viu, ao longe, alguns animais se aproximando. Pulou da mangueira e agarrou minha mão, puxando-me em correria para outro terreno, cuja cerca de arame farpado já havíamos pulado na ida.
Tremendo de medo, ficamos por longo tempo olhando as vaquinhas, que só procuravam a sombra da mangueira, justamente desta em que meu irmão havia subido. Lá ele ficou retido por horas, até que os animais descansaram e resolveram ir embora, já com o sol sumindo no ocaso.
Em meio a essas lembranças, outros fatos saltam de minha memória, como a maquete de um projeto exposto na Prefeitura de Rio Claro há mais de vinte anos. O projeto abrangia todo aquele terreno central entre a Rua 3A e Avenida Brasil, onde passa a ciclovia.
Além das alças que cortam o terreno, a maquete previa também um mirante, áreas verdes, quadras poliesportivas e arquibancadas em concreto, que ali ficariam em definitivo, acabando com as despesas de arquibancadas provisórias durante o Carnaval.
E o melhor de tudo: essas arquibancadas seriam feitas de tal modo que sua outra face apresentaria um visual arrojado, com portas e janelas bem planejadas, permitindo que seu interior abrigasse salas de aulas confortáveis para a criação de escolas e creches.
Entretanto, como tantos planos de governo descontinuados, este também não saiu do papel. Hoje, nesta faixa imensa de terra existem apenas algumas árvores, a ciclovia, uma área com equipamentos de ginástica, uma pista de skate e algumas alças de trânsito que permitem o acesso aos bairros adjacentes.
Ainda navegando nesse sonho, chego de volta ao tapete de mangas, desta vez portando uma sacolinha que o vento arrastava pela ciclovia. Abaixo-me e, saboreando lembranças e mangas do passado, colho do chão meia dúzia de frutas.
Sinto que motoristas dos carros que por ali passam diminuem a velocidade para olhar o espetáculo inusitado: uma mulher catando mangas que a natureza colocou ao seu alcance, sem vergonha de fazê-lo.
Voltando a fazer o mesmo trajeto um outro dia, eu vi, com satisfação, que outros passantes despiram o orgulho e se abaixaram para colher os frutos que a natureza nos dá, sem nada cobrar…
Fica a dica aos governantes: se não puderam realizar o arrojado projeto por falta de verbas ou vontade política, por que não fazem daquele local um pomar a céu aberto, para que a natureza dê frutos gratuitos à comunidade, engrandecendo a fauna, a flora e a qualidade de vida no município?