“Não há nada mais cinzento, decadente e estagnado do que uma vida levada dentro dos limites de uma teoria”. A frase, provocativa, é do Jaron Lanier, um dos maiores especialistas da era da informação em que vivemos, e crítico das redes sociais.
Você também deve ter amigos e amigas de longa data que hoje estão irreconhecíveis, tomados por palavras de ódio e intolerância. Alguns você até deletou das suas redes sociais, para não se chatear ainda mais, não é mesmo?
Alguns são vítimas do efeito mais nefasto causado pelos algoritmos das redes sociais, que criam bolhas, nas quais passam a viver com a sensação de que são detentores de uma verdade que poucos conhecem. Terreno fértil para alentar e dar colo àqueles que ainda não superaram a infância.
Antes, com o domínio dos meios tradicionais de comunicação, como TV, rádio, jornais, revistas, o movimento de emissão e absorção de informações pelas pessoas era “síncrono”, isto é, todo mundo vendo e falando das mesmas coisas ao mesmo tempo.
Hoje é tudo “assíncrono”. Os programas das redes sociais, com seus algoritmos, que tentam mostrar a você exatamente aquilo que quer ver, acabam por criar as bolhas. Ali, só ali dentro seus integrantes falam e veem as mesmas coisas ao mesmo tempo.
Minha bolha pode ser diferente da sua, e da do outro e do outro. Realidades paralelas vão sendo construídas na cabeça de gente ingênua e muitas vezes vitimizadas por suas próprias frustrações.
Veja a polarização que vivemos no Brasil, por exemplo, os negacionistas da ciência, os disseminadores de informações falsas sobre as vacinas, e os que sempre tem uma resposta pra te dar em comentários às suas postagens, repetindo discursos de um certo guru que nem mais aqui mora.
Deve haver um propósito para tudo isso que estamos vivendo no Brasil. Falo por mim, em meu restrito e limitado círculo de amizades de interiorano, vejo amigos queridos de tanto tempo afundados, escravizados por retóricas falsas, alguns até fanatizados pelo discurso da extrema-direita covarde que se instalou por aqui, de modo criminoso e oportunista, aproveitando-se da crise de milhões de brasileiros desalentados e excluídos economicamente.
Estão presos às teorias da conspiração, negacionistas, terraplanistas, cegos pelo perenialismo. Mas, será que sempre foram assim e agora se revelaram?
Ou em que ponto dessa estrada se perderam e se deixaram sequestrar pelas notícias falsas, pelo discurso de ódio? Muitos, de convívio de minha infância até, muito amados por suas excelentes famílias, cheios de autoestima na infância e adolescência. Então, de onde vem tanta misantropia, tanto recalque e falta de empatia? Do que querem se vingar?
Quem antes gostava de um bom papo, de uma boa e despretensiosa conversa hoje rejeita um bom argumento, nega o pensamento bem elaborado, a ciência, a razão e parte para discursos prontos cozidos nos memes e nas fornalhas das fake news. Se recusam a pensar, a olhar para trás e ver que eram muito melhores antes. E ao se verem assim, perdedores com voz, alguns partem para a ofensa pessoal.
Onde está aquele brilho nos olhos, aquele senso de humor, a criatividade que me deixou tantas boas lembranças?
Não sou nenhum dono da verdade, nenhum arauto do que é certo e do que é errado, mas há um mínimo de bom senso e muito de leitura que me abrem os olhos para o que estamos vivendo em nossa vida cotidiana.
Quem sabe logo a gente renasce mais forte, mais alegre. Vai chegar um tempo no Brasil em que será preciso perdoar, e restabelecer os laços com os arrependidos de seu ódio.
Tempos difíceis. Tempos de descobrir que alguns amigos não são sequer conhecidos, nem de vista.