“As festas são manifestações coletivas presentes na cultura de vários povos. Seus símbolos e rituais são transmitidos de gerações a gerações, em diferentes países, de um lado do hemisfério (norte) para outro (sul). A dessacralização das festas, a imposição de um calendário universal levou a um esvaziamento de seu conteúdo, tornando-as ‘apenas’ datas do consumo e do lazer.”
Quem explana é a professora doutora Lúcia Helena Hebling Almeida, psicóloga clínica com consultório em Rio Claro, além de docente convidada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), autora de artigos e capítulos de livros, que aceitou o convite para falar do simbolismo do Natal, a partir da festa pagã e que o cristianismo incorpora, levando-se em consideração o que pode ser assinalado em termos psicológicos.
De acordo com Lúcia Helena, falar sobre as origens de alguns símbolos possibilita a compreensão dos significados que essas festas tiveram para os povos, contribuindo para o processo educativo no geral e para uma reflexão individual. “A começar que a festa possibilita o rompimento com o nosso tempo do cotidiano, permite romper com o universo da monotonia da vida ordinária e entrar num universo do simbólico.
Assim, a festa do solstício do inverno – onde se dá a noite mais longa do ano e se comemora a volta da luz do sol (e consequentemente noites mais curtas e dias mais longos que voltarão) – é festejada no hemisfério norte no mês de dezembro. Aí está a origem da tradição cristã de comemoração do Natal. A igreja se apropria de datas pagãs, associa a figura do nascimento de Jesus à luz – ao nascimento do filho de Deus –, o que vem trazer luz aos homens”, explica.
A profissional salienta que, na Europa, há outras tradições relacionadas ao mesmo simbolismo, por exemplo, na Suécia, na festa da noite mais longa do ano se comemora o dia de Santa Lucia, considerada a patrona das luzes.
Conforme expõe à reportagem, na Eslováquia e outros países, há a figura de São Nicolau. “As crianças deixam na véspera seu sapato na janela e esperam que no dia seguinte São Nicolau, o santo das crianças, encha o sapato de presentes para as obedientes. São Nicolau tem uma longa barba branca, um casaco vermelho e um chapéu, voando de casa em casa. Temos aqui a origem da figura do nosso Papai Noel”, elucida.
Quanto à árvore de Natal, diz que o pinheiro, a única árvore que sobrevivia mesmo no inverno, simboliza, portanto, a vida que resiste aos momentos difíceis.
Lúcia Helena faz menção ainda aos judeus do mundo inteiro, que festejam em dezembro o Hanuka, que é também a festa das luzes, que dura oito dias, um candelabro com oito braços, para lembrar o milagre de retomada e purificação do Templo de Jerusalém há mais de 2 mil anos. “O candelabro é aceso com nove velas, sendo que cada uma das oito velas representa cada uma das oito noites de Hanuka. A nona vela serve para acender as demais. Cada criança recebe, em cada noite, um presente. Ou seja, podemos ser portadores de luz”, ilustra.
Por fim, a psicóloga clínica enfatiza que o mais importante é que percebamos que há um sentido profundo em muitas coisas que fazemos, que são rituais transmitidos de gerações a gerações, em que se aprofunda o humano em nós – onde nós nos diferenciamos dos animais nas nossas relações afetivas, na nossa capacidade de doação, de partilha e de amar.
Isso costuma se reverter em generosidade – é a época do ano em que as pessoas mais fazem doações. “E individualmente – qual é a luz, qual é o ‘insight’, qual é a superação, qual é a dificuldade que, resistindo às minhas adversidades, vou me propor a trabalhar internamente e ser melhor, para mim mesmo e para o mundo?”, finaliza.
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