Ainda que a era industrial tenha proporcionado diversos benefícios para a sociedade moderna, como os avanços tecnológicos, científicos e o aumento da empregabilidade, proporcionou, paralelamente, a mecanização do cotidiano humano e altos níveis de poluição.
Em Santa Gertrudes, não é diferente, pois, mesmo sendo pequeno, com pouco mais de 24 mil habitantes, o município também enfrenta tais problemas característicos de cidades grandes. Recentemente, um relatório das Organizações das Nações Unidas considerou a cidade como a mais poluída do Brasil pela alta taxa de pequenas partículas em suspensão no ar.
Mudar esse cenário foi um dos objetivos do projeto “Vermelho Poeira”, desempenhado pelo poeta, de 38 anos, Wagner Tonin, e pela diretora de eventos da Secretaria Municipal da Cultura, Turismo e Lazer, de 43 anos, Letícia Tonon, juntamente com outros colaboradores. A iniciativa foi dividida em duas partes, no lançamento de um livro de poesias críticas e em uma intervenção urbana que resultou na pigmentação de um muro municipal.
De acordo com entrevista feita pelo Diário do Rio Claro com o poeta gertrudense, Wagner Tonin, a iniciativa foi denominada de “Vermelho Poeira” devido a vários aspectos. O primeiro foi transformar o apelido “pé vermelho”, direcionado aos santa-gertrudenses de forma pejorativa, em algo positivo. Outro aspecto foi fazer referência à cor vermelha das terras municipais, somado a estes, está o fato da cor simbolizar luta e, por fim, fazer alusão à poeira vermelha presente no ar.
De maneira totalmente independente, a ideia surgiu há três anos (2015) da vontade do artista de publicar um livro com a coletânea de seus poemas, somado à ideia de levar seus versos para as ruas da cidade, através do grafite, e da junção de diversas artes.
“Os maiores objetivos desse projeto foram a junção da poesia com uma causa extremamente urgente e atual, que é o meio ambiente, levar esta mensagem até o maior número de pessoas possível e levar a poesia para os muros do bairro por meio do grafite”, ressalta Wagner.
Com este intuito, eles convidaram artistas urbanos para ajudá-los a transformar esse projeto multicultural em realidade. Durante um mês, a equipe transformou o muro tangente aos bairros Jequitibás, Jardim Paulista e Jardim Ipês em uma tela de pintura. As ruas tornaram-se palco da arte e a cidade uma galeria ambulante. Trechos de seus poemas, que contextualizam e criticam a crise ambiental vivida na cidade, foram grafados nos muros, junto de imagens que tiram a população da sua zona de conforto e a faz refletir sobre a cidade.
“A escolha do muro se deve pela sua extensão, mais de 500 metros que separam a cidade, e por estar localizado numa região extremamente cinza. Um outro motivo é o grande movimento de transeuntes e moradores locais, que merecem receber cores para alegrar seus dias”, explica Letícia.
Parcerias
Segundo Wagner Tonin, após notar que o projeto poderia ser algo maior, e buscando visibilidade, eles enviaram a ideia ao Proac/ICMS da Secretaria de Estado da Cultura.
“Após a aprovação e liberação, tivemos que correr atrás para captar com empresas que pagam ICMS. E isto não é uma tarefa fácil em nossa região, apesar de termos muitas empresas, não se tem costume, conhecimento ou vontade propriamente de colaborar com projetos.
Lembramos ainda sempre que o valor é deduzido até o máximo de 3% do valor de ICMS pago ao governo. Mas há, sim, uma bela exceção: a Cerâmica Villagres, que já foi parceira em outros projetos também e, mais uma vez, se prontificou e foi nossa colaboradora exclusiva nesta caminhada”, relata ele.
Arte como instrumento de crítica
Para o artista, a arte sempre foi e terá de ser um instrumento crítico, uma voz a ecoar, pois este é seu papel. “A arte deve buscar liberdade, igualdade, o fim de preconceitos, desafiar o conservadorismo e a ambição incessante que cega e destrói a tudo e a todos”, assegura o poeta.
“O artista tem de expressar as angústias e os dramas, as alegrias e as lutas do seu interior e de tudo que está à sua volta. Ainda mais em dias como hoje, que o conservadorismo e autoritarismo vêm crescendo e a perseguição aos artistas também. Acredito que a arte tenha um papel importante para abrir a mente das pessoas, seja de qual forma for, nas músicas, nos livros, performances, no se expressar e jamais se calar perante injustiças”, continua ele.
Intervenção urbana
Conforme Letícia, a intervenção Urbana é o termo utilizado para designar os movimentos artísticos relacionados às intervenções visuais realizadas em espaços públicos. No início, foi um movimento “underground” que foi ganhando forma com o decorrer dos tempos. Existem intervenções urbanas de vários portes, desde pequenas inserções através de adesivos (stickers), até grandes instalações artísticas que podem ocupar ruas, avenidas e praças.
“Infelizmente, é um pequeno número de pessoas que tem o costume de frequentar espaços culturais. A Indústria Cultural e a Cultura de Massa confundiram as pessoas. A cada evento que realizamos, é uma luta para trazer as pessoas aos espaços. Esse projeto vem com o intuito de poder levar às ruas um pouco de arte, uma nova ideia e novos pensamentos”, explica a diretora.
Luta pela conscientização
Segundo Tonin, a elaboração do projeto ocorreu perfeitamente bem com o lançamento do livro, com a realização de debates e a coloração do muro. Contudo, ainda há muito a ser feito.
“A admissão de que o problema existe é o primeiro passo. Em seguida, concluirmos que vamos e podemos fazer alguma coisa para mudar isto é essencial. Isso não é apenas para autoridades ou empresas, mas para todos nós. Todos estamos envolvidos e podemos fazer alguma coisa, seja cobrando, seja com ideias, seja fazendo a nossa parte, porque o meio ambiente envolve tudo ao nosso redor e o respeito com ele. Isso inclui não jogar entulho na rua, lixo, seja qual for, queimadas, esgoto, cortes de árvores, etc.”, alega Wagner.
Em razão do projeto, a poesia, oriunda da cultura erudita e destinada a uma classe elitizada, tomou rumos populares ao juntar-se ao grafite, originado na cultura popular e da arte de rua. Essa aproximação de duas expressões artísticas distintas busca constantemente atingir o morador do município.
“Quando essa pintura deteriorar, deverão vir outras artes, outras ideias e novos projetos. A arte urbana se transforma com a cidade e com as pessoas”, afirma Letícia.
Por Ana Carolina Mariano