Proibir celulares em sala de aula: um ato de colonização moderna?
Em pleno domingo, estou aqui, mergulhado em textos, tentando entender por que muitos professores ainda demonizam o uso da internet e das tecnologias digitais. Vivemos em uma sociedade cada vez mais conectada, mas as instituições de ensino parecem resistir a essa revolução. A educação, enquanto processo de agenciamento, deveria evoluir para acompanhar a nova realidade social.
No entanto, as escolas frequentemente se limitam a modelos tradicionais que valorizam apenas o formato escrito da leitura, negligenciando outras formas de aprendizado. Vivemos em uma era em que a revolução tecnológica molda a maneira como nos comunicamos, aprendemos e interagimos. Apesar disso, muitas escolas adotam uma postura tradicional, resistindo à mudança e proibindo o uso de celulares em sala de aula, por exemplo. Essa atitude pode ser comparada ao comportamento dos conquistadores que, ao dominar as comunidades indígenas brasileiras, aprenderam suas línguas para controlá-las, limitando seu acesso ao conhecimento e impondo uma narrativa única.
Schlemmer et al. (2020) apontam que a internet social (web 2.0), a internet das coisas (IoT) e a internet dos dados (Big Data) são partes de um ecossistema maior, a “Internet of Everything”, onde a conectividade digital cria novas possibilidades para a aprendizagem. Proibir o uso de celulares em escolas é uma tentativa de manter as barreiras tradicionais, impedindo os alunos de acessarem esse ecossistema.
Momesso et al. (2016) discutem a evolução da comunicação para novas formas de mídia, como podcasts e audiobooks, que podem ser utilizados em sala de aula para enriquecer o processo de ensino. O conceito de “audioler”, um neologismo cunhado por Momesso para designar a leitura por meio da escuta em suporte digital, oferece uma alternativa às formas tradicionais de aprendizagem. A integração de celulares como ferramentas educativas permite que os alunos explorem novas formas de aprendizado, dando-lhes voz e participação ativa.
A pandemia de Covid-19 mostrou que a escola tradicional já estava capenga e doente, incapaz de lidar com as necessidades de uma sociedade cada vez mais conectada. Mattar (2013, p. 24) sugere que o conectivismo é uma teoria de aprendizagem mais adequada para a era digital, onde a aprendizagem se baseia na construção de conexões em rede. Proibir o uso de celulares em sala de aula vai contra essa ideia, pois restringe a capacidade dos alunos de construir e manter essas conexões.
Rojo (2020, p. 24) sugere que as novas ferramentas de multiletramento, como podcasts e audiobooks, podem subverter as relações de poder tradicionais na educação. Ao abraçar essas tecnologias, as escolas podem criar um ambiente mais democrático, onde os alunos têm mais autonomia e oportunidades para aprender de forma colaborativa.
Para concluir, a proibição do uso de celulares em escolas reflete uma visão ultrapassada da educação que tenta impor um modelo único de aprendizado e ainda flertamos com movimentos reacionários estrangeiros que visam o êxito nesta tarefa. A revolução tecnológica oferece uma oportunidade para democratizar o conhecimento, dando voz a todos os alunos e permitindo que eles explorem novas formas de aprendizado. Ao invés de cercear o uso da tecnologia, as escolas devem encontrar maneiras de integrá-la ao processo educacional, proporcionando aos alunos um ambiente de aprendizado mais inclusivo e inovador.
Aqui é prática é “tradição”, mata-se o boi, ao invés de combater o carrapato…
Antonio Archangelo é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Unesp/Araraquara
Referências MATTAR, J. Aprendizagem em ambientes virtuais: teorias, conectivismo e MOOCs. Teccogs, n. 7, 156 p, jan.-jun., 2013.
MOMESSO, M.R. et al. Educar com podcasts e audiobooks, 1.ed. – Porto Alegre: CirKula, 2016, 180 p. [e-Book].
SCHLEMMER, E.; DI FELICE, M.; SERRA, I. M. R. de S. Educação OnLIFE: a dimensão ecológica das arquiteturas digitais de aprendizagem. Educar em Revista, Curitiba, v. 36, e76120, 2020.
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