Fui profundamente afetado pela viagem que fiz a Roma.
Acho que nunca mais voltarei ao normal. Fui por conta do programa de pós-graduação do qual sou aluno, para apresentar parte de meu trabalho de pós-graduação feito com meus orientadores no ITA em Cosmologia e Astrofísica. Chegamos um pouco antes do 15th Marcel Grossmann Meeting e fomos embora dias depois de seu encerramento.
Um sentimento, uma quase-ansiedade me absorve desde o dia em que voltei e por tudo o que vi. Queria poder entender por que me afetou tanto ver Roma, com toda História que emerge de suas ruas, suas pedras, o Império, as Igrejas, seus aromas, restaurantes, e o povo italiano. Um sentimento profundo, uma saudade incurável, que só aumenta com o passar dos dias, ainda que eu ame meu Brasil.
Para citar um exemplo, no Vaticano, detive-me por um bom tempo, em mais de uma ocasião, diante da Pietá de Michelangelo, a original, que hoje fica protegida por um vidro à prova de balas logo na entrada direita da Basílica de São Pedro. No parapeito de mármore, de frente para a escultura, pensei em um Michelangelo com apenas 24 anos!
Como imaginar que com essa tenra idade, Michelangelo tivesse a exata noção do sentimento de piedade a ponto de transferi-lo para a frieza do mármore, no rosto de uma Maria tão jovem, contemplando Cristo magro e igualmente jovem? As veias das mãos de Cristo e as marcas dos cravos, o véu de Maria com dobras como se fosse um tecido. Impossível não chorar.
E ainda, numa ação autoafirmativa, colocou numa faixa no peito de Maria em latim: “Michelangelo Buonaroti, florentino, quem fez”. Um ano depois iria esculpir o majestoso David.
Lembrei de Nietzsche, que em seu ensaio “Humano Demasiado Humano” diz que a mais profunda e verdadeira expressão humana está na arte, muito mais que na ciência. Não fosse Newton, outros poderiam descobrir a lei da gravidade. Mas Michelangelo é um só, assim como Bernini, e tantos outros.
Nos dias que antecederam o congresso, andei por Roma a pé, e a cada esquina uma surpresa, um prédio, um palacete e, principalmente, as praças. Vir andando por uma das vielas, com sobrados e restaurantes com suas mesas nas calçadas, assim, como quem não quer nada e, de repente, “bum!”: o sol abre o espetáculo na Piazza Navona, com as fontes esculpidas por Bernini em detalhes inimagináveis. E, ao fundo, a bandeira brasileira tremulando na sede da nossa embaixada, no Palácio Pamphili.
Quem pode resistir ao encanto de se tomar um Aperol Spitz no Campo de Fiori, com a feira acontecendo e o espírito de Giordano Bruno pairando sobre o lugar? Ali, em 1600, onde hoje está uma estátua sua, Bruno foi queimado pela Inquisição por defender as ideias de Copérnico.
Como não sentir saudades de ver e ouvir num domingo qualquer, ao meio-dia em ponto, Papa Francisco ecoar na oração do Angelus na Praça de São Pedro.
Tudo isso, que não cabe num simples artigo, somadas às palavras italianas que ouvia, e me lembraram a infância com minha avó Valentina!
Por mais de uma vez em Roma, ao ver sobrenomes conhecidos em nosso convívio, parei e pensei nos imigrantes, nossos antepassados.
Imagine, entrar em um navio sozinho, ou com a família, filhos pequenos, e enfrentar um Oceano Atlântico de expectativas, medos, incertezas. Muitos agricultores, de pouca instrução que tudo perderam na Itália, por conta da fome, das guerras, da vida.
Algo em minha alma parece saber que alguém, cujo sangue em parte circula em minhas veias, saiu de lá chorando, triste por deixar a sua terra, entrar em um navio rumo ao país que só conhecia por carta.
E esse sentimento parece que é hereditário. Sou brasileiro, mas dentro de mim há uma essência que antes estava adormecida, e acordou quando pousei no aeroporto Leonardo da Vinci. Uma vontade de voltar, mesmo amando o Brasil. Tudo tão bonito, tão intenso, tão italiano. Preciso voltar…
Por Marcelo Lapola
O colaborador é jornalista e pós-graduando em Física pelo ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica
E-mail: marcelo.lapola@gmail.com