Quando olhei nos olhos daquele adolescente que portava uma arma dentro da sala de minha casa, uma dor intensa tomou conta de meus sentidos, calando-me a voz.
A figura de minhas filhas desenhou-se em minha mente e uma certeza invadiu meus pensamentos: poderia ser meu filho.
Fissurado pelas drogas, o menino olhava-me e não entendia o que se passava comigo, que não reagia diante da arma apontada para meu rosto. Enquanto algumas vítimas gritam ou choram, eu não gritei, não chorei, não reagi. Me perdi no conflito desenhado em seus olhos e, estranhamente, esqueci de mim. Pedi a Deus por ele, que se livrasse desse estranhamento de si mesmo, desse alheamento da vida causado pelas drogas.
De estatura média, com o lenço tampando o rosto até o nariz, o menino torturou-me durante quase uma hora com o revólver em minha cabeça. Primeiro, ameaçava me matar por falar bem. Depois, revoltou-se por eu estar só, por eu ser só. É claro… Quanto menor a família, menos teria para roubar.
Com a arma em minha cabeça, empurrava-me à sua frente enquanto visitava a casa, procurando por outras pessoas. Vasculhou os armários, e só depois de eu chamar sua atenção para o tipo de roupas e calçados dentro deles, convenceu-se de que eu realmente vivia só, e que ninguém chegaria com algum veículo para que ele pudesse realizar um roubo completo.
Então, o foco de seus pensamentos mudou. Virou o conteúdo de minha bolsa em cima da cama, abriu minha carteira e tirou de lá todo dinheiro que eu tinha. Achou pouco e já que não poderia levar nada grande, pressionou a arma em minha cabeça e exigiu joias e mais dinheiro, que eu não dispunha.
Reuniu todos meus perfumes, relógios, pulseiras e anéis, em sua maioria bijuterias, dentre elas algumas peças em ouro e prata. Vasculhou outras bolsas dentro do armário, sem reparar num casaco de pelica que paguei com sacrifício e deu-se por satisfeito. Com certeza, iria trocar tudo por drogas na boca mais próxima.
Amarrou minhas mãos com voltas e voltas de fita crepe, amordaçou minha boca com uma meia-calça tirada de meus pertences e trancou-me em um quarto vazio. Antes de fugir, mais uma vez ameaçou-me de morte, caso saísse do quarto antes que ele deixasse a casa. Não sei quanto tempo passei ali. Só sei que quando os ruídos cessaram dentro de casa, pulei a janela e saí em busca de socorro.
Somente após passar anos do acontecimento, consegui escrever sobre o assunto, pois os olhos do adolescente perseguem-me noite e dia, como um pedido de ajuda. Como o pedido de um filho, perdido na dependência das drogas.
Em 2011, minha mãe se foi. Em março de 2012, encontrei esse jovem, necessitado do uma palavra de mãe (pois palavra de mãe é milagrosa…). O tempo passou e os jovens continuam se drogando, roubando, matando, à procura, talvez, de um frágil elo que os ligue à vida.
Cabe a mim, cabe a você, cabe aos governos em suas três esferas providenciar e fazer funcionar políticas públicas que impulsionem esses jovens para a vida, e não para a morte que os espera em alguma esquina da vida.
Por Nilce F. Bueno
Nilce, você tem o dom de escrever com as letras da alma, não com papel e tinta.
Gentiliza sua Maria Tereza… As pessoas que na infância tem pouco acesso à educação, quando aprendem a escrever exala letras por todos os órgãos e poros! Muito obrigado!
Desculpe, as pessoas exalam letras… 🙂 Errei ao digitar!