As pesquisas para novos produtos e processos envolvendo micro-organismos vivos requerem que eles sejam bem preservados e isso só é possível recorrendo-se aos chamados biobancos microbianos.
“Os biobancos são coleções de materiais microbiológicos armazenados de forma adequada para que os microrganismos permaneçam viáveis e sem contaminação e estejam disponíveis para as pesquisas”, explica a docente e pesquisadora Lara Durães Sette, do Instituto de Biociências da Unesp, campus de Rio Claro.
Sette é a pesquisadora responsável pelo Projeto Temático Fapesp “Biobancos microbianos: promovendo inovações para pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico (MicroBioBank)”.
Em funcionamento desde meados do ano passado, ele reúne parte do material abrigado em outras coleções de microrganismos do estado, pertencentes à Central de Recursos Microbianos da Unesp (CRM-UNESP), ao Laboratório de Ecologia Microbiana do Instituto Oceanográfico da USP (LECOM-IO/USP) e ao Instituto de Tecnologia de Alimentos (CFA/ITAL).
O projeto prevê que serão selecionadas, nessas três coleções, mil espécies ou gêneros de microrganismos que passarão a compor a coleção do MicroBiobank. O critério para a seleção será o potencial para produzir moléculas inovadoras, com possibilidade de aplicações nos campos da saúde e do agronegócio.
A coleção do MicroBioBank servirá também para a realização de estudos relacionados à qualidade e à preservação de material microbiológico, à informatização e à disponibilização das informações relativas a esse material em bases de dados de acesso público, além das pesquisas relativas às suas possíveis aplicações.
O projeto financiado pela Fapesp teve início em setembro de 2023. Entretanto, o plano de criar um biobanco de excelência dentro da Unesp remonta a mais de uma década. A empreitada teve início com a chegada de Lara Sette ao Instituto de Biociências.
A docente trouxe consigo cerca de sete anos de experiência trabalhando na curadoria da Coleção Brasileira de Microrganismos de Ambiente e Indústria (CBMAI) da Unicamp e, incentivada pelo professor Fernando Pagnocca do IB-Unesp, iniciou o projeto de construção e reconhecimento oficial do biobanco na universidade. O objetivo foi alcançado em 2013 com a criação da Central de Recursos Microbianos (CRM-Unesp).
Na mesma época, foram adquiridos, via apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), recursos para a construção de um prédio onde o biobanco seria instalado com os equipamentos necessários para a preservação adequada do material microbiológico e para os laboratórios de pesquisas. Entretanto, devido a empecilhos burocráticos e de orçamento, a construção só veio a ser iniciada em 2021, e a inauguração veio a ocorrer em maio de 2023.
Hoje, a CRM-Unesp conta com um acervo de aproximadamente 7.000 amostras de microrganismos. Destes, cerca de 4.000 são leveduras e fungos filamentosos de insetos sociais, como formigas; 2.000 são leveduras e fungos filamentosos coletados no solo e no mar da Antártica; 700 são fungos coletados nas águas da costa brasileira além de algumas amostras de bactérias.
A grande diversidade de espécies e gêneros de microrganismos, entretanto, coloca um desafio para o biobanco que é identificar todas as amostras existentes. “Parte das amostras foi identificada, mas ainda desconhecemos vários dos microrganismos que integram nossa coleção. As linhas de pesquisa dos docentes associados à CRM-Unesp variam entre taxonomia, ecologia e diversidade microbiana, visando conhecer os microrganismos e entender as relações microbianas entre eles e com o ambiente, e também a prospecção para aplicações biotecnológicas”, diz Sette.
As operações no biobanco no novo espaço físico completaram um ano em fevereiro, com objetivos ambiciosos: “A ideia é que a CRM-Unesp seja um centro de excelência. No futuro, esperamos conseguir expandir e transformar a central em uma infraestrutura de apoio a pesquisa que centralize a preservação de material microbiológico de relevância ecológica ou biotecnológica da Unesp como um todo”, diz Sette.
Para que isso seja possível, entretanto, é necessário investimento em corpo técnico com capacitação sobre como manejar, armazenar e preservar o material microbiológico. Atualmente, a contratação do primeiro técnico do biobanco CRM-Unesp está em andamento e a previsão é que ele inicie os trabalhos no começo de 2025.
A pesquisa dentro do MicroBioBank
No âmbito do projeto Fapesp, serão estudados os microrganismos das coleções da CRM-Unesp, composta por fungos de amostras da Antártica, da costa brasileira e associados a insetos sociais; do LECOM-IO/USO, que reúne bactérias marinhas, e a do CFA/ITAL, com amostras de fungos associados a alimentos. O projeto também conta com equipamentos e métodos do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), que integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) do MCTI e com a parceria e experiência da equipe do Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA).
Cada uma das instituições está buscando identificar, nas respectivas coleções, os microrganismos com potencial para gerar moléculas inovadoras que possam ser aplicadas na produção de fármacos e em produtos para o agronegócio.
Equipe coletou microorganismos até durante viagens à Antártica
A coleção da CRM-Unesp conta com microrganismos isolados a partir de amostras coletadas pela professora Lara Sette e por estudantes durante expedições do Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Essas amostras são particularmente interessantes por abrigarem microrganismos que se desenvolveram em ambientes extremos e, portanto, podem apresentar adaptações e produzir moléculas que tenham propriedades e ações diferenciadas.
Em campo, os pesquisadores não realizam a coleta do microrganismo diretamente, mas sim de material terrestre ou marinho onde o fungo ou a bactéria está presente, como raízes de plantas ou amostras de solo. Uma vez em laboratório, o microrganismo é isolado do material coletado e, então, estudado.
Durante as pesquisas do projeto temático financiado pela Fapesp, o grupo também irá analisar a variedade das moléculas produzidas pelos microrganismos e relacionar esses dados com a origem do material microbiológico. “Isso nos permite observar se microrganismos da mesma espécie, mas com diferentes origens, apresentam alguma diversidade química quando cultivados em ambientes laboratoriais idênticos”, conta Sette. “Será que fungos de um mesmo gênero ou espécie de um ambiente polar, como a Antártica, apresentam algum perfil químico que nos indique uma resposta adaptativa a esse ambiente de onde esses fungos foram isolados?” questiona a professora.
Os microrganismos de ambientes extremos, como os obtidos a partir das amostras trazidas da Antártica pela equipe de Sette, têm chamado a atenção nos últimos anos por conta da hipótese de que a capacidade de sobreviverem às pressões ambientais lhes permitiria produzir compostos diferentes daqueles gerados por indivíduos que não estavam submetidos a tais pressões. “Esse é um grande diferencial da nossa pesquisa. As chances de encontrarmos novidades quando se trabalha com amostras de ambientes extremos é grande”, diz Sette.
A equipe teve a oportunidade de ir para a Antártica em quatro ocasiões, nos anos de 2010, 2013, 2015 e 2018. Hoje, a professora diz que não planeja novas viagens em curto prazo porque o foco está em conseguir identificar e organizar todas as amostras de microrganismos que fazem parte do CRM-Unesp, incluindo aquelas que integrarão o MicroBioBank. (As informações são de Malena Stariolo, do Jornal da Unesp).
Foto: Lara Sette