Vai nada bem a vida, quando insistimos manter os olhos voltados para o passado. Rota de fuga, esconderijo, consolo, manancial inesgotável de lembranças, reserva imensurável de sentimentos, escolha o adjetivo que melhor lhe convenha, leitor, para definir, se assim desejar, esse tempo tão fascinante de nossas vidas que, por vezes, tem a rara habilidade de vestir o figurino da felicidade, do êxito e da perfeição que, em verdade, não lhe cai bem.
É comum atribuirmos ao passado uma beleza inexistente. E por que o fazemos? A necessidade de encontrarmos felicidade, em qualquer coisa que seja e sob qualquer pretexto, seria uma resposta? Não sei. Como escritor, eu sempre prefiro as dúvidas. E trabalho com elas. As dúvidas são mais generosas, apontam vários caminhos e direções, permitem todas as possibilidades.
Desconfio de todas as respostas conclusivas, porque todas elas tem origem na tola aspiração humana de saber sobre tudo. E o ser humano é aquele ser tridimensional, de pensamento e percepção limitados, preso à uma lei inexorável e perversa que o mantém com os pés plantados no chão. Vê-se que não pode muito o ser humano. Sábia Divindade, fonte criadora de toda a vida.
Ouço Chopin enquanto escrevo estas linhas. Meu pai também o fazia. E a diferença entre nós, é que ele escrevia bem melhor que eu.
Se o que escrevo vale para alguma coisa, deixo a tarefa para aqueles que, no futuro, se interessarem por essas crônicas quinzenais, meia dúzia de pessoas curiosas, bem sei, talvez.
O que sei mesmo, em razão de minhas observações quanto à vida alheia e à minha própria, é que os erros do passado, teimosos e sarcásticos, se negam a desaparecer de nossas mentes e de nossos corações, quando causam profundas feridas.
Há quem conviva bem com isso. Não sei se por capacidade de entendimento e aceitação ou afinidade mesmo. Há quem prefira sofrer e encontre nisso satisfação.
Enfim, o aspecto subjetivo da vida, ocuparia toda nossa existência, acaso nos dispuséssemos a pensar sobre ele profundamente. Mas, temos de pagar contas. E o remédio, chama-se trabalhar, que é a definição inteligente, mas incompleta, para aquilo que fazemos de melhor, ou seja: ocupar o tempo com coisa útil.
E já dizia, o sábio do botequim: Se você tem os olhos somente para o passado, estará vendo sempre um filme que se repete, porque estará ignorando o presente.
Se você tem dúvida quanto a isso, meu bom e paciente leitor, não se acanhe, eu também tive a mesma dúvida, um dia, no passado. Certeza, certeza mesmo, eu não tenho nenhuma. Certeza de nada, pra ser sincero. E seria muita pretensão de minha parte, se o tivesse.
Cheguei à essa conclusão, quando certa noite, olhei para o céu, e vi aquele espaço infinito sobre a minha cabeça, vi as nuvens em movimento, e me perguntei, de onde vem para onde vão?
Vi aquela infinidade de estrelas que naturalmente ali não estavam apenas para enfeitar o céu e inebriar os corações dos poetas. Tudo, passado e presente, vai muito mais além do que revelam os nossos olhos e do que percebe a nossa intuição, esse modo meio esquisito que a vida tem de falar, por vezes, aos nossos sentimentos.
Ok, temos assunto para atravessar o dia conversando, mas agora, peço sua licença, pra tomar um café, e depois, trabalhar, que é o melhor modo de se viver em paz e harmonia com o presente. Bom dia, leitor!