Historicamente, os grandes feitos são consequência da constante luta do homem pela liberdade, e foi justamente com esse mote, o de liberdade para criar, se estruturar e fazer música, que nasceu a Orquestra Filarmônica de Rio Claro, há exatos 26 anos.
Até 1995 a cidade de Rio Claro contava com a forte presença da Orquestra Sinfônica de Rio Claro. Dentro do tradicionalismos da orquestra, o maestro se fazia soberano nas decisões sobre repertório, solistas, avaliações, gerenciamento de recursos, enfim, sobre tudo, o que, ao longo do tempo, causou inquietação entre os músicos. William Nagib Filho, na época, estudante de direito, percussionista e presidente da Orquestra Sinfônica, com pouco mais de 20 anos, entendeu que era hora de agir: “Foi um momento tenso, de instabilidade, porque a Sinfônica havia perdido um grande patrocínio e havia enormes distâncias entre os anseios dos músicos e o que o maestro idealizava continuar praticando politicamente à frente da instituição. Alguns critérios políticos se sobrepunham aos demais, e isso já não era mais suportável por boa parte dos músicos e professores daquela época”, explica Nagib.
Nessa atmosfera de necessária mudança, cerca de 80% dos músicos da Sinfônica fundaram a Orquestra Filarmônica de Rio Claro, em cerimônia que aconteceu no dia 12 de outubro de 1995, no SESI Rio Claro.
Alguns dias depois, em 4 de novembro do mesmo ano, a Filarmônica realizou o seu primeiro concerto, ovacionada pela mídia e pela opinião pública. Os editoriais dos principais jornais da cidade circularam o grande feito, com o final feliz de uma história que foi acompanhada de perto por toda a cidade através da imprensa. Os jornais clamavam nos editoriais: “Egresso de uma dissidência da tradicional Orquestra Sinfônica de Rio Claro, um grupo de jovens foi à luta”. Em outro, publicado no dia 7 de novembro de 1995, dizia “(…) sem se abaterem no ânimo de quem é convicto de sua paixão, os músicos à conclusão da necessária independência, no último sábado, em histórica noite consagrada no teatro do Sesi, os jovens músicos fizeram ecoar a sinfonia de sua libertação”.
O primeiro concerto foi realizado no SESI Rio Claro com poucos recursos, ainda assim, contou com a presença de 60 músicos, sendo 30 egressos da Sinfônica e 30 convidados. Além disso, a regência ficou a cargo do maestro Eduardo Cruz Navega, violista e Regente de Câmara da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas e ainda teve a participação especial do solista Flávio Mayer. “Por excesso de modéstia, quando os meninos me convidaram para regente, pintaram um quadro como uma orquestra de amadores. Mas o nível técnico dos músicos é muito alto. Alguns são meus alunos da UNICAMP. É um pessoal muito jovem, com energia muito grande. Para mim é uma honra reger esse primeiro concerto”, disse o maestro na ocasião do evento, registrado nos anais da história.
A partir daí a Orquestra Filarmônica de Rio Claro não parou mais. “Mais de 10 maestros regeram na primeira fase, inclusive Benito Juarez, criador do Coral da USP e por 25 anos maestro da Orquestra Sinfônica de Campinas. Também trouxemos maestros internacionais, muitos solistas e foi então que começamos a convidar artistas da música popular brasileira. Esse, aliás, sempre havia sido um desejo dos músicos. Era impossível realizar com a Sinfônica o que passamos a fazer livremente com a Filarmônica: fazíamos boa música trazendo maestros, solistas convidados e agregávamos cada vez mais músicos da cidade e região”, destaca Nagib.
Ao longo dos 26 anos de história, a Orquestra Filarmônica de Rio Claro mostrou que a luta pela liberdade de criar valeu a pena. “Fizemos todo tipo de concerto, óperas, erudito, mas, também fizemos Chico Cesar, participamos do show Amigos com Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano e a dupla Leandro e Leonardo. Trouxemos Fafá de Belém, Roupa Nova, Guilherme Arantes, João Bosco, Zeca Baleiro, mais recentemente, Ivan Lins, e agora teremos Sandra de Sá no dia 20 de novembro”, lembra. Em 2005 foi criado o projeto Mulheres que Cantam e Encantam, uma outra tradição musical na cidade.
Dentre os pontos de virada na história da Filarmônica, destaca-se a ação do então vereador Aristóteles Costa, que alçou a orquestra como Utilidade Pública, possibilitando que a instituição pudesse participar dos processos de captação de recursos e passasse a receber subvenção da Prefeitura Municipal. A sessão foi regida pela então vereadora e Presidente da Câmara, Patrícia Sassaki.
A chegada da pandemia marcou uma mudança no formato das apresentações e a reinvenção na forma de consumir cultura. Rapidamente, a Orquestra se adaptou ao novo normal, e começou a transmitir os eventos em formato de live. “Isso possibilitou levarmos a música para mais pessoas, ultrapassando o limite físico dos teatros e clubes. No ano passado, somadas as apresentações, alcançamos mais de 300 mil pessoas, um número maior que a população da cidade de Rio Claro. Por isso, a partir de agora, mesmo com o retorno das atividades presenciais, nossos eventos serão híbridos”, diz Nagib.
Das dificuldades enfrentadas ao longo da história, William destaca a falta de um apoio significativo do poder público e de um olhar mais atento para as orquestras da cidade. “Há mais de 30 anos estou envolvido com a Cultura Musical da cidade e posso assegurar que, não obstante algumas tentativas isoladas de gestões municipais passadas, nunca vi olhos verdadeiramente atentos às demandas das orquestras, o que é uma pena, porque elas criam oportunidades de emprego, agregam jovens, reduzem a violência, aproximam todos os segmentos sociais e por aí vai. Somos uma biodiversidade, formas diversas de pensar e agir, mas sempre mentes brilhantes e criativas trabalhando juntas e com muito respeito”, diz ele.
Sobre a missão que impulsionou o grupo de jovens naquele turbulento ano de 1995, Nagib pensa que está sendo construída e se mantém no caminho certo. “Acho ótimo projetos que levam música para os bairros, mas nós queremos também que os moradores dos bairros venham para os teatros e locais de concerto. Queremos que eles sintam que têm o mesmo direito de assistir às apresentações lado a lado com as autoridades, intelectuais, empresários, ou seja, no mesmo ambiente em que estão toda gente que forma a nossa sociedade local, sem nenhuma distinção de classe social, até por isso os concertos são gratuitos. É isso que faz bem, que constrói uma comunidade forte, a partir do trabalho de uma orquestra, nem sempre compreendido e apoiado.”
E é assim que há 26 anos, desde o dia que poderia ser conhecido como “A revolta dos 30”, que a Orquestra Filarmônica de Rio Claro segue dando show nos palcos e fora dele, como uma instituição democrática, focada na valorização do ser humano, levando exemplo de democracia e cidadania através da arte.
Hoje, Sinfônica e Filarmônica fizeram as pazes, e o que antes separava agora une. “Tudo tem seu tempo e tudo faz parte da história. Respeitamos muito o trabalho desenvolvido pela Sinfônica e somos parceiros. Não cultuamos a divisão ou a competição, nossa luta foi por liberdade, não por território”, completa. No dia 15 de novembro as duas orquestras se unem para um concerto em Tributo à Saúde, ainda em parceria com a Banda dos Ferroviários. O evento acontecerá no Espaço Livre e em breve serão divulgados os detalhes da apresentação.
A Orquestra Filarmônica de Rio Claro tem a sua temporada 2021 amparada pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, contando com patrocínios da Whirlpool, Romi e apoio da Astra.
Foto: Giorgi Bastos