O primeiro núcleo maçônico rio-clarense data de 1868, com a instalação na cidade da loja “Fraternidade III”, oficializada no ano seguinte. As poucas referências encontradas sobre a loja são incompletas e contraditórias.
De sua origem tem-se que logo em 1871 a loja teria sido desativada para retomar as atividades em 22 de novembro de 1873, já com sua carta capitular, estatuto que eleva a importância de uma sede maçônica.
O motivo do desaparecimento praticamente sem vestígios depende de pesquisas. Um ponto a contribuir para a investigação de suas raízes vem da trajetória do líder maçônico Saldanha Marinho em meio à cena política regional e local da época.
Por haver se dado no momento da organização do Partido Republicano Paulista (PRP) no município, a desativação da loja sugere paradoxo, uma vez que os fazendeiros locais preconizavam a mudança do regime e a “Fraternidade III” seria um instrumento para tanto. Um de seus presidentes foi o vereador Cerqueira César, mais tarde governador de São Paulo. Outros líderes locais foram presidentes da instituição.
O episódio de sua desativação pode ter alguma relação com o fato de o ano 1874 haver sido marcado por uma epidemia de varíola no município, quando as instalações da loja foram utilizadas para atendimento de vítimas da doença, entre elas três maçons.
A loja pioneira esteve instalada na Avenida 4, entre as ruas 4 e 5, e nas vizinhanças do Mercado Municipal. Suas reuniões eram realizadas aos sábados, às 19 horas. Tinha 50 membros. A referência mais conhecida sobre sua existência está no Almanaque de Rio Claro do ano de 1873.
Saldanha Marinho
Por época da origem da “Fraternidade III”, como dissidente do Grande Oriente do Brasil, Saldanha Marinho constituía lojas no interior paulista para formação do Grande Oriente dos Beneditinos, oficializado em 1872.
Em sua movimentação, ele instalou 49 novas lojas na região, entre elas as de Campinas (Loja Independência), Amparo (Loja Trabalho), Piracicaba (Loja Piracicaba) e Itu (Loja Beneficência Ituana).
Saldanha Marinho, que tem o nome em uma das praças de Rio Claro, era influente na região e foi autor do lendário manifesto republicano de 1870, cuja principal consequência deu-se com a Convenção de Itu, em 18 de abril de 1873, na casa de Carlos Vasconcelos de Almeida Prado.
No prédio onde se realizou a convenção hoje se encontra o Museu Republicano, local onde se formou o PRP, criado em São Paulo na casa do maçom Américo Brasiliense, da loja “América”.
A relação entre o movimento republicano e as lojas maçônicas é direta. Se não determinante, para alguns autores, foi de influência marcante. Cabe ver algo a respeito.
Convenção de Itu
Dos participantes da Convenção de Itu e da criação do Partido Republicano Paulista, dois nomes da região chegaram à Presidência da República: Campos Salles e Prudente de Morais, ambos vinculados a Rio Claro e fazendeiros, respectivamente, em Campinas e Piracicaba. Irmão de Joaquim Salles, Campos Salles era membro da loja “Independência”, de Campinas, e foi fundador da loja “7 de Setembro”, de São Paulo.
Prudente de Morais, da família do fundador de Rio Claro, Antonio Paes de Barros, e de Raphael Tobias de Barros (patrono do grupo escolar local “Barão de Piracicaba”), era membro da loja “Beneficência Ituana” e foi fundador da loja “Piracicaba”, naquele município.
Da Convenção de Itu participaram representantes de Campinas, Botucatu, Amparo, Bragança, Piracicaba, Capivari, Jaú, Jundiaí, Indaiatuba, Itapetininga, Itatiba, Mogi Mirim, Porto Feliz, Sorocaba, Monte Mor, São Paulo e Rio de Janeiro.
A participação de Rio Claro depende de ser verificada por pesquisa. Apesar da importância econômica e política dos fazendeiros do município, o nome da cidade não está na lista das participantes da Convenção de Itu. Uma das explicações pode decorrer das fazendas locais serem propriedades de famílias com atuação regional e na convenção os fazendeiros se identificarem pela cidade base de suas propriedades. Pelo livro de atas, nota-se que Rio Claro foi representada por participantes de Itu.
Republicanos locais
Quanto aos maçons de Rio Claro, em 1872 já haviam fundado seu clube republicano com a participação de Campos Salles. O grupo se formava desde 1865. A reunião de fundação aconteceu no antigo Teatro São João, depois Teatro Fênix. Ambos os nomes fazem referência à simbologia maçônica. São João Batista é patrono da Maçonaria internacional. Fênix é ave mítica símbolo do renascimento.
Por influência de Saldanha Marinho, em 1874, os vereadores Cerqueira César e Antonio Augusto da Fonseca conseguiram pautar na Câmara Municipal de Rio Claro moção favorável à separação entre Igreja e Estado, pregação republicana que Marinho sustentava no Parlamento.
Oscar de Arruda Penteado informa que a propositura foi aprovada na sessão de 16 de abril daquele ano. Não há registro oficial de que a votação tenha acontecido. A sessão legislativa daquele dia foi suspensa, bem como as das semanas seguintes. Não é conhecido o motivo da suspensão das sessões.
Estrela do Rio Claro
Em 1895, já proclamada a República, presumíveis remanescentes da “Fraternidade III” e outros decidiram resgatar a atividade maçônica no município fundando a “Estrela do Rio Claro”, em 7 de dezembro daquele ano. Até o momento, não há alcance para se verificar o local exato onde a nova loja começou a funcionar.
A tradição remonta que uma de suas instalações sequentes esteve na Rua 5, atual número 1334. O prédio onde a instituição hoje se encontra, na esquina da Rua 4 com Avenida 9, foi erguido em 1904 com a mudança feita em 1907. A data coincide com a transição do poder local de Joaquim Salles para Marcello Schmidt, célebres adversários políticos.
Em 2001, o edifício ganhou restauração exemplar. Nos primeiros 50 anos passou por duas reformas. Na segunda, recebeu as grades e portões de ferro que cercavam o Jardim Público para substituir as grades de madeira. O maior portão que fechava o jardim encontra-se na Santa Casa.
De 1952 a 1962, foi construído o templo na forma em que hoje se encontra, com arquitetura em estilo egípcio. Os salões de recepção e festas trazem baixos relevos alusivos a temas maçônicos e à história do Brasil. A obra é do escultor Vilmo Rosada.
A transferência dos portões para a loja e Santa Casa faz lembrar a histórica relação entre maçons e católicos na administração do hospital da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, obra da matriz de São João Batista.
Para futuro estudo
O passado das relações entre a Maçonaria e a Irmandade registra vínculos que variam de integração a contradições. Em termos lendários, e mesmo históricos, a questão da saúde pública envolvendo maçons e católicos remete a raízes seculares de ordens fraternas como a dos templários, hospitalares e mesmo de jesuítas.
Atividade na Estrela
Até onde há alcance, a composição do quadro social da “Fraternidade III” e da “Estrela” tinha diferença saliente. A primeira reunia a elite política e econômica da cidade na década de 1870. Já a segunda foi formada na década de 1890 por integrantes de classe média emergente e trabalhadores. A observação é cabível, pois desmistifica o imaginário de que a “Estrela” tenha sido fundada por uma elite. A lista de seus fundadores identifica: alfaiate, marceneiro, sapateiro, viajante, ferroviário, mecânico, contabilista, carpinteiro, professor, entre outros trabalhadores.
Pesquisas sobre a variação do perfil maçônico local em um período de trinta anos podem contribuir para análise da evolução econômica do interior paulista na passagem do Império para a República.
A loja “Estrela do Rio Claro” talvez tenha atualmente até 180 membros. A expansão dos quadros é uma obrigação do membro maçom. Cabe a todos apresentar indicações de nomes de futuros integrantes para a renovação necessária.
A frequência nas sessões é de grande importância. Conforme a assiduidade, o maçom pode ser avaliado como bom, regular ou displicente. A displicência pode implicar em chamado de atenção em circulares internas.
É o que, por exemplo, registra circular de maio de 1996: “Evidentemente, cada um colabora de acordo com suas possibilidades, com atuação maior ou menor, dependendo da honradez e cultura maçônica. Os que possuem este altivo atributo vão até o sacrifício para cumprir os seus deveres; outros participam na medida exata dos interesses pessoais e se sentindo imunes a qualquer poder, desprezam os princípios básicos da Instituição…”
Ação maçônica
Maçons da Estrela do Rio Claro e das demais lojas da cidade contribuem direta ou indiretamente com diversas entidades, entre elas a Sociedade Beneficente São João da Escócia; Casa da Criança; Grupo Escoteiro Marechal Rondon; Guarda Mirim ou contribuindo com algum tipo de atividade em Casa da Avó; APAE; Hospedaria de Emaús; Associação Comercial e Industrial; Grupo Ginástico Rio-Clarense; Hospital Bezerra de Menezes; Instituto Alan Kardec; UDAM; e outras.
De maneira ainda mais ampla, a contribuição de maçons verifica-se em clubes de serviço, sindicatos e associações que prestam serviços comunitários.
O caráter filantrópico das lojas tanto permeia sua a influência como ressalta sua importância para setores que se fossem depender exclusivamente Estado (ou anteriormente a Igreja) acabariam desassistidos.
Pelo volume do referido trabalho filantrópico, é possível estimar a carência que a cidade experimentaria sem a assistência maçônica.
Estrutura de lojas
Quadro que depende de diversas atualizações aponta que, subordinada ao Grande Oriente de São Paulo, a “Estrela do Rio Claro” divide o leque maçônico local com outras lojas, que são: loja “Perseverança e Vigor” e loja “Fraternidade e Justiça”, ambas instaladas na Avenida Navarro de Andrade, Floresta Estadual.
A “Fraternidade e Justiça” é subordinada às Grandes Lojas de São Paulo, bem como a loja “Amizade Fraternal”, cuja sede é Rua 8, nº 1115, Centro.
A loja “Lealdade e Progresso” é subordinada ao Grande Oriente Paulista e tem sua sede na Avenida 12, nº 345, no Jardim Centenário.
A “Fraternidade e Justiça” construiu seu novo templo à entrada da Floresta Estadual, uma vez que a sede anterior foi destruída em um incêndio nos anos 1970.
Integrando graus de 4 a 18, a “Estrela do Rio Claro” mantém reuniões regionais, mensais ou bimensais para os altos cargos maçônicos Cavaleiros de Kadosh, graus 19 a 30, e Consistório dos Príncipes do Real Segredo, graus 31 e 32. Abrange lojas de Santa Gertrudes, Limeira, Araras, Leme, Pirassununga, São Carlos e São João da Boa Vista.
Na região administrativa de Rio Claro, é considerada regular ainda a loja “Fraternidade de Santa Gertrudes”, subordinada ao Grande Oriente de São Paulo, com reuniões na sede da “Estrela do Rio Claro”. Uma loja é regular quando reconhecida oficialmente por uma das potências que passa a lhe definir ritos e obediências.
Anexo
As datas da constituição da entidade em Rio Claro são: No dia 27 de outubro de 1895, reunidos, diversos participantes decidiram pela fundação da uma loja maçônica em Rio Claro, ficando designado o dia 7 de dezembro de 1895, para a sessão de fundação.
Aprovada a fundação da loja, na mesma data foi designada sua primeira diretoria – Bernardo Mandelbaum – Primo Rivera – Pedro Antonio Sant´Angelo – Francisco Colonese – Hygilo Martinez – Vicenti Carpineli – José Janicelli – Luiz Concistrê – Filandro D´Aloisio.
Aprovada a fundação, a loja ficou denominada Loja Simbólica “Estrela do Rio Claro”.
Foi consolidada definitivamente:
Em 19/06/1896 – Instalação
Em 20/06/1896 – Inauguração
Em 24/06/1900 – Sagração
Museu Histórico e Pedagógico “Amador Bueno da Veiga”, Rio Claro – SP.
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Por JR. Sant´Ana