Realmente, o humor é tudo, para todo mundo. Estamos de mau humor ou estamos de bom humor – ou, ainda, mesmo de mau humor, provocamos o bom humor nos outros, tipo palhaços de circo, em meio às dores de sua própria existência. Aliás, tem até uma profissão: humoristas.
Porém, nem todo humor é validável, alguns são racistas, misóginos, desumanos: “humor negro” é profundamente racista e desumano, a começar da expressão. Esse seria um humor trágico – se ainda não revelasse, em si, a tragédia nacional.
Pode-se fazer humor com a morte, mas não com a morte de alguém que ainda deixa muita gente infeliz; mesmo que outros tantos se sintam muito felizes, aliviados, com a morte de um sujeito em particular: não é difícil eleger um “malvado preferido” na política – já tivemos um tal de “Toninho Malvadeza” – e assim torcer para que o seu fim seja melancólico, desastroso ou pecaminoso. É o humor ácido.
O bom humor é ácido, corrosivo, solvente, irônico, dialético. É solvente das gorduras (excessos) do mau humor, dos tantos Casmurros que a vida traz ou dos hormônios (mal humorados) de tanta gente, e que sempre teimam em contaminar os outros. Para cada Casmurro que os ventos trazem – já ensinava Machado de Assis –, há sempre um Alienista na soleira da porta, no rodapé da coisa sem graça. Então, com humor, livre-se de tudo que é natural dos Casmurros e dos seus asseclas. Livre-se da chatice, da babaquice sem graça. O humor vem do João Grilo.
Mas o humor também é dialético e revolucionário, exatamente por ser solvente de tudo que se apresente em falsa seriedade (casmurrice, cara feia de fome ou desordem hormonal). Esse tipo de humor é popular – nasce no botequim ou na padaria – e corrói as paredes da instituição sisuda, fria, insolente e, profundamente, desanimadora.
É um humor ácido e revolucionário porque, simplesmente, detona as aparências daquilo que se quer vender com profunda relevância, mas que, na real, não vale nada. É como comparar o político ladrão (tipo piada pronta) com um saco de pão velho, amassado, balofo de ar insosso, que uma criança inocente estoura para fazer gracinha.
Não é precisamente o caso, no entanto, podemos associá-lo a um título desse tipo: “Boemia Revolucionária e Revolução”. Trata-se de um humor dos brioches, que tritura as franjas do poder nefasto, de tipo fascista, senhorial, absolutista. Ou um outro desse jeito: “Revolução e Cultura” – quando os humoristas ácidos do povo corroem as roldanas malquistas da realeza bafônica.
No caso brasileiro, à base de pão duro – sem, sequer, ter direito aos brioches –, o humor real nasce da vida dura do povo, que faz galhofa de si mesmo. É uma forma, portanto, de sobrevivência: resistir e sobreviver e vice-versa. É o caso de rir para não chorar. É melhor a comédia do que o drama; já basta a vida bem dramática.
Um exemplo desse tipo, uma dramatização irônica não nacional, conta que os súditos se abaixavam diante da passagem da realeza ou do Faraó e nesse momento todo mundo exaltava o poder ostensivo soltando puns.
Tem também a famosa “piada inglesa” em que se afirma algo – a contragosto de algum suposto “legitimado” – por meio de mesóclises ou num sentido meio hiperbólico. Parece que se diz algo sério, porém, tem-se o objetivo de provocar o efeito oposto. É um tipo de humor irônico, meio icônico.
Como se sabe, tem a piada sem graça: “o governado masoquista (tipo bem popular na quitanda da democracia) diz ao Senhor sádico: ‘– Vai, me bate, me bate!’; e o Senhor sádico responde, laconicamente, sadicamente: ‘– Não…”.
Já está estampado, mas não custa lembrar: a frustração é sempre patética, e, em muitos casos, como neste caso, foi ao extremo. Essa piada inglesa, adaptada ao Brasil, varonil, da rima pobre, indica que uma situação patética, medíocre, de sentido irrisório, é capaz de provocar um efeito hilariante. E assim o humor irônico se autorreproduz. O Brasil é capaz de propor um humor filosófico e sociológico.
Como se vê, e aí vai um caso concreto, tudo se encaminha para o eterno retorno da piada pronta: “A sessão da Câmara, que votava a PEC dos Auxílios – a PEC Kamicase da compra dos votos de cabresto, do famoso “bico de pena” da Mont Blanc –, foi suspensa por suspeita de fraude no sistema de votação”. Piada pronta: “A Câmara é suspeita de corrupção”.
Há, por fim, o humor do “realismo mágico”, em que uma vaca mastiga calmamente o tapete do soberano – dizia Gabriel Garcia Márquez. Para uma última adaptação ao caso brasileiro, pode-se pensar que vivemos sob um realismo trágico, se não fosse apenas uma comédia – afinal, sempre temos piadas prontas sobre a tragédia nacional. O certo é que ninguém escreverá ao capitão…talvez alguém do além.
Em território brasileiro, riso e choro se confundem, como numa comédia de uma tragédia anunciada, ou na tragédia de uma comédia de mau gosto. Com a sucessão de más notícias, logo vamos do “rir para não chorar” ao afogamento do riso por lágrimas…
Por: Vinício Carrilho Martinez
Convite para leitura
DARNTON, Robert. Boemia Literária e Revolução: o submundo das letras no antigo regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
IANNI, Octavio. Revolução e cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
LIMA, João Ferreira de. Proezas de João Grilo. Fortaleza-CE : Academia Brasileira de Cordel : Ban Gráfica, 2002.
MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. Ninguém escreve ao Coronel. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 34ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 2002.