É o item mais raro do mundo. Stendhal tem uma bela frase para ele: “O amor é uma flor que nasce à beira de um precipício. É preciso muita coragem para a ir colher”.
Me lembrei também do que disse Jesus: “Quer me seguir? Então renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me”. Nessas palavras provocadoras está muito explícito, que amar é arriscar-se, abandonar-se, em nome de algo que nos dê de fato um significado para a existência. É estar à beira do precipício, esperando a flor se abrir.
E correr esse risco é regra para todas as modalidades de amor, seja pelo outro, pela vida e pelo que se quer fazer com ela.
Mas o que se vê é cada vez menos gente tentando se arriscar a amar, e presas a si mesmas enaltecem o narcisismo de redes sociais. Tanto que quando nos deparamos com demonstrações mais doces e puras de amor, aquilo nos chama a atenção. O que era para ser regra virou exceção. Sempre foi assim né?
E como é triste a passagem do tempo. Vamos envelhecendo e uma parte de nós vai se embrutecendo, se fechando. E temos saudades dos pedaços de nós que foram ficando pelo caminho.
Digam o que quiserem, mas envelhecer é trágico quando se perde a capacidade de se apaixonar novamente. E isso diz respeito não só ao amor romântico, entre duas pessoas, mas a todas as múltiplas modalidades de amor para as quais com o tempo vamos naturalmente nos fechando.
E não é algo natural voltar a ter aquela paixão no olhar, no sentimento. O fundo sabemos que ela exigia de nós uma certa ingenuidade, um certo maravilhamento diante da vida. Aos poucos, a alegre paixão vai dando lugar às justificativas, monolíticas, covardes.
Na física, área em que trabalho, isso fica muito nítido com o passar dos anos. O menino ou menina inicia a faculdade com aquele brilho, aquele entusiasmo de participar e aprender uma ciência tão fundamental e tão celebrada no mundo como sinônimo de inteligência de quem se dedica a ela. Mas o tempo vai passando, e os que insistem em levar o curso adiante vão perdendo esse tesão.
Ainda mais aqueles que escolhem em seguir a carreira acadêmica notam que, muito mais que um pesquisador, você precisa ter saco e disposição para se tornar um burocrata, já que nossas universidades e agências de fomento com seus sistemas estimulam a escalada dos professores em posições administrativas, para se ganhar mais e para se ganhar prestígio na instituição. No fim pouco importa à estrutura se o profissional vai render mais como pesquisador.
Sei e conheço alguns raros que em meio a toda essa papelada, compromissos, reuniões intermináveis, mantém intacta sua paixão pelo ensino, pela pesquisa. Os olhos ainda brilham.
Mas para a maioria isso é devastador, perde-se a paixão ao longo da estrada e parece ser impossível voltar para reencontrá-la.
Citando o mundo acadêmico como exemplo, é possível notar esse processo em outros campos profissionais e emocionais da vida de muita gente.
Com tempo vamos desejando apenas que o tempo passe, que o dia acabe, a semana passe logo, que o ano termine.
Acaba a coragem de se aproximar do precipício. E no fim, o amor pode morrer de solidão.