Quem passasse defronte à Igreja de Santa Cruz, logo pela manhã, no último domingo ouviria com prazer a voz de um tenor afinado vinda lá de dentro. Seu nome, Jonatas Sorrente. Um talento musical rio-clarense, ainda pouco conhecido ou nem tanto quanto merecia. Talento despertado desde muito cedo e incentivado pela avó. Ela, pianista. Assim, como ele. Porque Jonatas, além da voz poderosa, também empresta as suas mãos habilidosas ao piano onde executa com rara beleza e domínio, as músicas sacras de sua predileção e que compõem o programa musical das missas das quais participa. Dias atrás, esse rio-clarense, de 41 anos, filho de Juarez Sorrente (já falecido) e de Mari Liliam Vieira Sorrente, morador do tradicional Bairro Santa Cruz, visitou o jornal Diário do Rio Claro para falar um pouco sobre sua trajetória musical.
Como a música se inseriu na sua vida?
Quando eu era criança, ainda muito pequenino, eu vivia cantando. Meu pai colocava o disco da Sandra de Sá, eu ficava vidrado, adorava aquela música “Bye, bye tristeza”. E eu sempre me interessei pela música, já desde criança. Desde a época de menininho, eu ficava cantando música sertaneja, enfim, todas as músicas que meu pai colocava pra eu ouvir na vitrola. Sandra de Sá, era uma delas e, tinha também, Chitãozinho e Xororó, enfim, todo aquele pessoal. E eu ficava ouvindo e depois cantava. Uma ocasião, ganhei um violão de brinquedo e eu ficava lá batendo aquele violão e cantando, cantando. Até que um dia, os vizinhos subiram no muro pra ver eu cantar. Aí, eu fiquei tímido e então parei. Mas, desde aquela época de criancinha eu já cantava. Mas aí, minha avó Eunice Lucenti Vieira, que dava aula de música, ela deu aula no Batista Leme, no Marcelo Schmidt e, na juventude, fora cantora lírica. Bom… à essa época, eu só cantava. Passou o tempo. E eu era uma criança hiper ativa, eu dava trabalho pra Deus e todo mundo. Passei por várias escolas, porque não ficava mais de uma semana em cada uma delas. Passei por muitas psicólogas e todas acabavam desistindo de mim. Chegou ao ponto das escolas me recusarem como aluno porque eu dava muito trabalho, quando criança. Mas o meu pai tinha uma prima que era inspetora de alunos no Irineu Penteado. Nesta escola tinha uma professora de nome Andréia, que estava substituindo a professora da 2ª. série. Quando a professora titular, dona Arlete, voltou, sugeriu que meus pais procurassem um médico neurologista em Limeira, o Dr. Joaquim Nogueira Cruz. Esse médico sugeriu que eu me dedicasse a alguma coisa que me interessasse. Tentei então, natação, futebol, até que minha mãe falou com minha avó Eunice, que era professora de música e que tocava piano e era professora do Conservatório Musical mas, já estava aposentada. Comecei então, a fazer aula de piano com minha avó, e aí, eu gostei. Comecei a fazer aula de canto e piano e a progredir nos estudos. Mas eu sempre quis desenvolver meu talento musical tocando na igreja. Mas nunca me davam oportunidade. À essa época, eu tinha 15, 16 anos. Chegava em casa, eu tirava todas as músicas da igreja no piano, sem a partitura, só de ouvido. E cantava, também. Era quando eu esquecia de tudo, dos problemas, da vida, enfim. A música tem esse poder sobre mim, ela me faz esquecer tudo. Quando eu toco e canto e me concentro, é somente eu e a música. Para mim, a música é soberana. Passou o tempo, então. Já era 2012 e meu pai já havia falecido. Eu estava em uma missa campal, ali na praça Santa Cruz, a “missa tombo”, como é denominada, estava sentado em uma das primeiras cadeiras, perto do altar, porque eu sempre tive simpatia por religiosos e sempre me senti muito à vontade nesse ambiente. Foi quando veio uma senhora, a dona Rosimari Fiório, que trabalhava na igreja na ocasião, que veio me convidar para cantar no coral, que era o que eu mais almejava. A primeira missa na qual cantei e toquei foi celebrada pelo padre Jacob Jovino Tomazella. Ao final, as pessoas vieram me cumprimentar. Já faz 12 anos que eu toco e canto nesse coral.
Você se sente bem, se realiza tocando na igreja?
Sim. O ambiente religioso é aquele com o qual eu me identifico.
E depois, desse primeiro período, como foi a sua trajetória?
Bem, o tempo passou e eu sempre tocando na igreja de Santa Cruz. Até que, um dia, o meu amigo Fabinho Gobatto, da loja Polo Sul, me disse que estava fazendo aula de música no Centro Cultural, com o maestro Claudionor Fonseca. Comecei a frequentar as aulas de canto. Mas, logo foram interrompidas por causa da pandemia. Depois, voltou com tudo. E comecei a participar a convite do maestro Claudionor do Coral Madrigal da Cultura, hoje, Coral Municipal, que funciona no Casarão da Cultura. Em seguida, comecei a fazer trabalhos solos e a me apresentar. Hoje, também participo do Coral Sertanejo Vozes da Terra e do Projeto de Inclusão Social para deficientes físicos.
E a música lírica? Você se dedica a ela, também?
Correto. Aliás, foi o maestro Claudionor que me sugeriu, porque viu potencial em mim para tanto. Tomei contato com as músicas italianas, e comecei a cantar árias, que são trechos de óperas.
Você se define como tenor ou barítono?
Tenor. Primeiro tenor, na verdade, que é aquele que alcança as notas mais agudas. Eu tenho uma grande extensão vocal que vai do grave ao extremo agudo.
Onde você ensaia para se apresentar na missa?
Na própria igreja Santa Cruz. Ali eu me preparo. Aqueço a voz. Às vezes, deixo o padre até louco (risos). Quando estou inspirado, canto e faço solos antes das missas, assim o pessoal já vai entrando na igreja e ouvindo aquelas músicas.
Qual o gênero musical você mais gosta de cantar?
A música lírica. Mas, amo também, a música sacra, que é onde tudo começou. Eu comecei cantando e, depois, tocando na igreja.
Você tem algum projeto em vista para breve?
Sim. A gente tem sempre os nossos sonhos.
Qual seria o seu maior sonho, no momento em relação à música? Algo que você gostaria de fazer e ainda não fez.
Sem dúvida, é viver da música. Mas, para isso, é preciso de apoio financeiro pra se dedicar exclusivamente à música. Estou inscrito em um projeto da Prefeitura, através da Secretaria da Cultura, e sempre que tenho oportunidade me apresento e recebo cachê por isso. Espero que possam me chamar mais vezes.
Entre os tenores, Jonatas, qual você mais admira?
O saudoso Luciano Pavarotti. É nele que eu mais me inspiro.
Mais alguma coisa que queira acrescentar? A palavra é livre.
Sim. Na minha opinião, a música é tudo na minha vida. Eu vivo pra música. A música, ela mexe com a minha alma. Ela muda a minha pessoa. Às vezes, estou em um estado de revolta e a música me transforma. Transforma essa revolta em calmaria, vamos dizer assim. Porque eu esqueço completamente da minha vida quando me apresento cantando e tocando. Quando eu sento ao teclado, eu faço isso somente na igreja e no Casarão da Cultura, quando eu começo a tocar o piano ou o teclado, eu não paro mais, já não sou mais eu. Sou eu, envolvido dentro da música. A música me absorve completamente. Chegou de acontecer de eu perder a hora de abrir a igreja, porque fiquei lá dentro tocando, tocando, e esqueci da vida e do mundo à minha volta.
Como é a sua relação com o pessoal da Paróquia de Santa Cruz?
É excelente. Eles admiram demais o meu trabalho. Eu sou bastante comentado e elogiado pelos membros da igreja. Também me apresento uma vez por mês na Casa de Nossa Senhora das Dores, ali na rua 2, no centro. Sou muito bem recebido lá também pelas freiras.
A que você atribui essa boa receptividade?
Acho que é porque consigo tocar o sentimento das pessoas através da música. Canto e toco com amor. E creio que isso ajuda a prender a atenção das pessoas, quando me apresento, principalmente na igreja. A acústica, ali, também é ótima.
Qual música que mais lhe emociona quando você a canta ou toca na igreja?
São várias. Mas eu penso que, a principal é Ave Maria de Gounod.
E entre as músicas populares?
Con te Partiro, do Andrea Bocelli.
Lírica?
É a composição “Quem sabe”, de autoria do maestro Carlos Gomes, de 1859, a partir de um texto do poeta Bittencourt Sampaio. É trecho do espetáculo “O Selvagem da Ópera”.
Ainda adolescente, Jonatas Sorrente sofreu um acidente de trânsito que o deixou com sequelas ao caminhar. Como ainda não consegue viver somente da música, que é o seu grande sonho, e apesar do seu exímio e admirável talento, trabalha também como autônomo, vendendo empadas, sob encomenda, feitas por sua mãe.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Hércules Marcos