Era mais um aniversário de minha avó, todos os preparativos para a festa estavam sendo alinhados, todos seus entes queridos de alguma forma ajudavam na condução da elaboração do seu mais importante dia de sua vida.
E minha avó fazia questão de comemorar pra valer esta seleta data em seu calendário.
Mas, agora depois daquela cirurgia, certo desânimo se apoderou dela, seu olhar estava sempre para baixo, um olhar perdido, certo cansaço, movimentava-se pouco e prestava pouca atenção em nós.
Isso já vinha de algum tempo. Sempre sentada em sua cadeira, as mãos repousando sobre o colo, não se fixava em nada. Olhava para a televisão sem muito interesse, ouvia a nossa conversa, mas não dava nenhuma opinião. Era muito decepcionante.
Na hora da festa não foi muito diferente. Estava bem arrumada, de cabelos muito calvos e finos presos atrás da cabeça, num coque. Mas seu olhar guardava o mesmo embotamento que já me acostumei a ver; um olhar sem brilho, quase sem vida.
Ao vê-la, recordei da avó do meu tempo de menino, naquela senhora dinâmica, animada, os cabelos começando a embranquecer. Como gostava de contar estórias para nós, coisas do sítio, estórias de arrepiar. Era criativa, cheia de imaginação, e parecia se divertir muito com as estórias, além de achar muita graça das nossas reações.
Decidi então repetir o que ela fazia quando eu era criança. Comecei a lhe contar uma estória. Não era somente uma estória, mas idêntica à que ela me contava, repleta de mistérios e de muita emoção. Fui contando aos poucos, criando um clima de suspense, dando detalhes, fazendo ruídos.
E, de repente, bem diante de meus olhos, a transformação aconteceu. Aqueles olhos turvos estavam muito bem abertos, brilhantes e atentos, como se acompanhassem a trajetória das palavras no ar. Sua boca, antes entreaberta no sorriso vazio, estava agora crispada em atenção. Ela não perdia nada do que eu dizia. Pela primeira vez em muitos anos, seu rosto, ainda descarnado, reassumia a expressão que eu conhecia tão bem em outros tempos.
Eu conseguira, depois de trinta anos, dar-lhe de volta a emoção que ela permeava as noites intermináveis da minha infância. Esse era para nós dois, o melhor presente de aniversário. E à medida que fui recordando desta página de minha vida, e como tinha conseguido renovar o semblante de minha avó, talvez você consiga recordar também de alguma estória que lhe contaram, reforçando o quanto uma estória pode mudar a nossa vida. Não pense nisso!
Dr. José Roberto Teixeira Leite