Duas da tarde; quinta-feira; e ele se apresentou para a entrevista de emprego. Bem vestido, respostas na ponta da língua, tudo muito bem ensaiadinho. Nada difícil. Nada que lhe exigisse muito para obter uma vaga de porteiro. Tinha alguma experiência, pouca, mas o suficiente para controlar a entrada e saída de pessoas num prédio comercial. Salário igual ao que ganhava no seu velho emprego. Mais horas trabalhadas, porém, ou seja, tirar mais vezes que o habitual a bunda da cadeira, para recepcionar alguém com aquele sorriso treinado e encantador.
Subiu uma vez a escada em caracol. Respondeu perguntas. Desceu a escada. Subiu de novo. Lembrou do Mario que estava à procura de emprego há bastante tempo. Sentiu-se privilegiado. Poesia, música e trabalho; combinação excitante, mas que geralmente não funciona. Artista que o valha deve ser vadio. À disposição do ócio criativo, dos anjos e demônios, do céu e do inferno. Porque nunca se sabe quem baterá à porta. Quem? Não importa. Pode entrar! Seja breve. Seja qualquer um. Que seja!
Por isso é que não acreditava nenhum pouco que tivesse vocação para porteiro. Mas o amigo querido, amigo de infância, havia dado uma força, indicado seu nome, aquelas coisas que se faz por um amigo. E a moça do RH havia telefonado e confirmado a entrevista e o havia recebido muito bem, só não lhe servira café. Talvez viesse a servir se um dia, ele se tornasse o chefe dos porteiros daquela conceituada empresa de segurança. Sabe-se lá…
A segunda vez que subiu a escada de caracol foi definitiva.
Com licença? Pode entrar. Obrigado. Parado diante da mesa, naquela posição formal de porteiro, pés unidos, mãos para trás, fronte elevada. Pode sentar-se, disse ela. Obrigado. Então, se deu o diálogo:
O salário é … Não importa. Saindo a cada 30 dias, é o bastante. Mas não disse isso. Doze horas trabalhadas, disse a gerente, esquema rotativo 4 por 2. Ou seja: Dois dias trabalhados de dia, mais dois de noite e folga dois dias. Entra às 6 da manhã, até às 6 da tarde. Ou às 6 da tarde, até às 6 da manhã. Pagamento até o quinto dia útil. Vale todo dia 23, nem antes, nem depois. Por enquanto você será reservista. Ou seja, vai para o posto que for necessário. Chega ao posto e toma ciência da situação. Confere o material de trabalho. E qualquer alteração anota no livro de ocorrências. E se não constatar ocorrência, anote do mesmo jeito. Uniforme limpo e passado, cabelo cortado e barba aparada. Se necessário, será advertido verbalmente, a segunda vez, por escrito, a terceira suspensão e a quarta, rua. Da quarta, não passa.
E a moça loira dizia isso com uma autoridade quase fascista, acompanhada do chefe, um sujeito bigodudo, enterrado na cadeira, mãos sobre o peito, que a tudo confirmava com absoluta convicção. Ok. Pode se retirar. Obrigado, disse ele. E desce a escada de caracol, e para no balcão com a moça do RH. Uma lista de documentos a trazer no dia seguinte: RG. CPF, foto, atestado de antecedentes criminais, exame médico admissional.
Enfim, horas depois, tudo pronto. Tudo na pastinha vermelha, bonitinha. Cabelo cortado bem curto, no estilo militar, barba feita, roupinha passada, sapatinho brilhando.
Só restava apresentar-se às 8 da manhã, do dia seguinte, em ponto, pra pegar o uniforme e começar vida nova. Finalmente. Vida nova. E teria sido, não houvesse o seu gato de estimação, lhe acordado, lambendo-lhe o rosto; o telefone na sala, a tocar…