Vira e mexe as tradições espirituais tentam fazer o cruzamento de suas ideias e crenças com o conhecimento científico gerado pelos pesquisadores.
Isso quando não tentam diminuí-lo para que caibam em suas doutrinas, como é o célebre caso da Evolução das Espécies, combatido cegamente com o criacionismo, apesar de todas e irrefutáveis evidências da descoberta de Charles Darwin.
Relutei em escrever sobre o assunto por não me achar à altura para tal. Mas pensando melhor, depois de um curso inteiro de Física que, ao seu final, me rendeu o privilégio de estudar um ano e meio da disciplina Mecânica Quântica e, agora, na pós-graduação, mais duas disciplinas que aprofundaram os temas, Mecânica Quântica 1 e 2, me sinto um pouco mais seguro, ainda que nesses períodos não tenha tido as melhores notas da turma.
Ao que parece, a bola da vez é a Física Quântica. Mas só parece, porque essa onda do “ser quântico”, da “criatividade quântica” e até, pasmem, do “socialismo quântico”, tiveram início mesmo na Califórnia com a primeira geração dos hippies e gurus orientais que para lá foram na década de 1970.
Na mesma época, na rica Califórnia, os avanços científicos na área foram significativos, incluindo as comprovações experimentais do modelo nascido na Europa décadas anteriores com Max Planck, Erwin Schrodinger, Bohr, Bonn, entre outros, tornando-a uma das teorias mais bem-sucedidas para explicar o mundo microscópico dos átomos e suas partículas, levando nas décadas posteriores, a avanços tecnológicos jamais vistos na história da humanidade.
A câmera digital de seu celular, por exemplo, funciona graças a um fenômeno quântico, também os processadores e outros componentes dos computadores, as televisões mais modernas, os CDs players, entre outras tantas coisas que cercam nosso quotidiano.
Mas, de que modo a Mecânica Quântica, que descreve o mundo atômico e subatômico, pode ter seu paralelo no mundo macroscópico? Vale lembrar que a Mecânica Quântica se ampara no principio da incerteza, descoberto por Heisenberg, em 1927. Uma partícula subatômica pode ser onda, ou partícula, e vice-versa.
Este princípio estabelece que não é possível a um observador saber de maneira exata a posição e a velocidade de uma partícula num mesmo instante. Coisa que na Mecânica de Newton, que explica o mundo visível, não existe. Para esta, não há a incerteza, é possível saber, no mesmo instante, posição e velocidade de um carro em uma autoestrada, por exemplo.
E o que aprofunda ainda mais o abismo entre o mundo visível e o microscópico é que uma partícula, como um próton por exemplo, é descrito como funções de onda. Assim, cada função de onda dessa partícula contém informações de sua energia, sua posição, sua velocidade, respeitada a incerteza.
Mas, o que já é conhecido desde a década de 1920, antes de ser medida essa partícula, matematicamente, é descrita por uma superposição de infinitas funções de onda. Assim, o ato de medir, isto é, de observar a partícula, influi nesse resultado, levando ao que os físicos chamam de “colapso da função de onda”, resultando em uma só dessas infinitas funções.
Para tornar o conceito mais palatável ao púbico leigo, Schrodinger usou o exemplo de um gato em uma caixa. Antes de ser observado, ele, matematicamente, está morto “e” vivo. Ao se abrir a caixa (observá-lo, portanto), ele estará morto “ou” vivo.
Esse conceito, o da influência do observador no estado de uma partícula, é preferencialmente distorcido pelos místicos e autores de auto-ajuda, alguns ávidos em se aproveitar do desconhecimento de sua plateia para angariar certo “respeito” e, principalmente, dinheiro.
São controversas e habitam o terreno das crendices as interpretações da Mecânica Quântica que pretendem introduzir a consciência na teoria. Ocupam uma posição marginal no mundo acadêmico.
A mente humana, sua consciência, não é o observador do qual trata a Mecânica Quântica, como bem observou Bohr. O observador é o ato de medir, independente de quem o faça.
A mente não é um aspecto elementar da realidade. Afinal, o Universo, com seus átomos, partículas e subpartículas, existe há muito mais tempo do que nós e esse “pálido ponto azul” em que habitamos.
Por Marcelo Lapola