O Sr. Dalton faz aniversário hoje. Completa 94 anos. Se bem vividos, não sei. Bom sujeito o Sr. Dalton. Vive recluso e não recebe a visita de estranhos, assim dizem. É formado em Direito. Embora, ao que consta, tenha exercido a profissão por apenas 7 anos, ainda bem jovem. Depois, não mais.
Adolescente, trabalhou na fábrica de vidros da família. Ambas já extintas.
O Sr. Dalton é dado a rabiscar umas linhas. Coisa minimalista, mas de sentido profundo. Chegou a ganhar prêmios e encher as burras com isso. Mas parece que nunca deu a devida importância para uma coisa e outra.
É tão comedido o Sr. Dalton, tão simplório em seu jeito de ser e tão despretensioso em suas atitudes, que até para assinar o seu nome, prefere a simplicidade de uma abreviatura.
E já se vão 94 anos vivendo assim. Calado, distante, recluso. Qual o seu olhar sobre a vida, o mundo, as pessoas, sabe-se lá. O Sr. Dalton é um mistério, tanto quanto a mais instigante de suas invenções: um vampiro.
Mas, por que criaria um vampiro? Não se sabe. Criou-o simplesmente. Nada se sabe sobre o próprio Sr. Dalton, que dirá sobre suas invenções.
O Sr. Dalton é raramente visto andando pelas ruas, devidamente escondido por um boné, uma jaqueta cinza e os olhos baixos, como que a procurar moedas pelo chão. Seus vizinhos de há muito cansaram de fazer perguntas a respeito do Sr. Dalton. Para o próprio, jamais fizeram. Nunca se sentiram confiantes e nem à vontade para tanto.
Um dia escreveu o Sr. Dalton: O que não me contam, escuto atrás das portas. Vê-se que alienado não é. Apenas avesso a qualquer tipo de exposição ou contato com o semelhante. Misantropo? Pode ser. Mas o vazio existencial do Sr. Dalton não justifica o esforço da investigação. Paro por aqui. Por qual motivo deveria ir mais adiante? Entreter o leitor? Quem sabe.
O Sr. Dalton soube fazê-lo ao longo do tempo. Uma espécie de J.D. Salinger da literatura brasileira. Admirado, mas inacessível ao carinho que é próprio dessa admiração. O dia que morrer… talvez ninguém venha a saber. Não será então homenageado. Não importa. Para ele, homenagens e coisas assim, são dispensáveis e inúteis. De onde provém esse jeito de ser?
Da satisfação do bastar-se a si mesmo? Talvez. Da certeza de sua genialidade na difícil arte da escrita? Provavelmente. Afinal, escritores desconhecem a humildade. Ou do convencimento sobre a inutilidade da literatura perante os dilemas da vida humana?
Excesso de realismo? Na vida pessoal, ok, pode ser, sim. Mas no ofício de escrever, o Sr. Dalton sempre foi muito inventivo. São dezenas de contos, e vários livros publicados desde 1959 até os dias de hoje. Ah, e a partir desta data, 94 velinhas no bolo. E daí? dirá o Sr. Dalton Trevisan, escritor brasileiro, um dos melhores. E daí?
Para nós, seus leitores, entretanto, é um dia de comemoração. E gratidão. Pelas horas agradáveis que nos tem proporcionado com suas histórias, este senhor, da tão fria e distante Curitiba.