Escrevo do Circuito de Paul Ricard, na linda Provence, onde neste fim de semana está sendo disputado o GP da França de F1. O tema da nossa conversa não é esporte, mas como tanto aprecio, e considero importante, ciência. Tive a oportunidade de visitar, aqui pertinho de onde nos encontramos, em Cadarache, as impressionantes instalações do maior projeto da humanidade, o Iter. Para resumir, estão reproduzindo o Sol na Terra. Explico melhor.
Com a crescente demanda de energia de nossos tempos, a mais otimista das projeções faz com que as contas não fechem. Daqui a quarenta anos, por exemplo, faltará energia para atividades essenciais no nosso planeta. Foi por isso que em 1985 cientistas de um grupo de países lançou a ideia de tentarmos construir o nosso próprio Sol. No núcleo da nossa estrela, bem resumidamente, dois átomos de hidrogênio se fundem para gerar um de hélio. Essa reação gera energia que recebemos, por exemplo, sob forma de luz e calor.
O Iter tenta fazer exatamente isso: gerar a fusão nuclear de variáveis do hidrogênio, chamadas de deutério e trítio, para obtermos energia. Vendo dessa forma, parece tudo simples, não? Mas obter fusão nuclear na Terra nesse nível, capaz de atender às necessidades de parte da humanidade, é talvez o maior desafio científico que o homem já enfrentou.
Até que os homens passem a dispor da energia da fusão nuclear, limpa, inócua, segura, sem resíduo, muitos anos vão se passar ainda. Estamos resolvendo um a um os muitos megaproblemas de engenharia existentes. Não fosse a participação de 35 países no Iter, não seria possível levar o projeto adiante, pois já foram consumidos mais de 20 bilhões de dólares (R$ 76 bilhões) até agora. E falta muito.
Um esclarecimento: fusão nuclear, como visa fazer o Iter, não é fissão nuclear, já dominada pela ciência e presente em 440 usinas nucleares em 31 países em todos os continentes. Na fusão, condição impensavelmente elevada de pressão e temperatura, como no núcleo do Sol, geram espontaneamente, como explicado, o encontro de dois átomos de hidrogênio para dar um de hélio.
Na fissão, núcleos instáveis de átomos como o urânio vão sendo separados, controladamente, ao serem bombardeados por feixes de nêutrons. Essa separação da mesma forma gera grande quantidade de energia. Nós a aproveitamos para esquentar a água até o ponto de vapor a fim de movimentar turbinas capazes de gerar energia elétrica. É o que fazem as centrais nucleares em operação, como as de Angra dos Reis.
Só que a fissão nuclear exige um controle elevadíssimo da radioatividade emanada da separação dos núcleos de urânio, colocando em risco parte da população mundial. E na fusão nuclear, como visa reproduzir o Iter, não existe resíduo, não há radioatividade envolvida.
Ainda muito importante: enquanto o enriquecimento do urânio para as usinas nucleares é caro e perigoso, pela raridade do elemento, a fusão nuclear usa o elemento mais abundante e barato no Universo, hidrogênio. A variáveis do hidrogênio que mencionei, ou isótopos, deutério e trítio, podem ser encontradas, por exemplo, na água do mar.
O problema é que para conseguirmos a fusão nuclear nós não temos aqui na Terra o núcleo do Sol, uma esfera de 1,5 milhão de quilômetros de gás hidrogênio, basicamente, de diâmetro. O da Terra é de 12.700 quilômetros, para você ter uma ideia. Isso significa que tempos de reproduzir no nosso planeta uma estrutura onde a pressão e temperatura no seu interior sejam tão grandes como no interior do Sol. Essa estrutura é um reator nuclear, mas não como o das usinas em operação, por falarmos agora de fusão e não fissão nuclear. Esse reator se chama tokamak.
Como não dá para chegar perto sequer da pressão existente no interior do Sol, temos de compensar com o aumento da temperatura. Enquanto no núcleo do Sol é de 15 milhões de graus Celsius, dentro do tokamak precisamos de 150 milhões de graus Celsius, o que se obtém por poucos instantes e a um custo energético descomunal.
Esse é o ponto. Ainda estamos no ponto em que a energia que precisamos para gerar a fusão nuclear é maior do que a que obtemos. Os administradores do Iter acreditam que até 2.025 teremos já desenvolvido tecnologia para viabilizar o uso do tokamak do Iter, ou seja, pensar em ter um ganho entre a energia gasta e a gerada.
No futuro, chegaremos a uma resposta de eficiência energética com a fusão. Ela será 10 vezes superior à energia utilizada para gerá-la. Será quando poderemos ficar um pouco mais tranquilos quanto a atender às nossas necessidades energéticas. Mas isso não será antes de 2.040, pelo menos, diante do, como citei, incalculável desafio tecnológico e de engenharia ainda pela frente. Mas vale muito a pena investir, não acham? Para saber mais, acesse: www.iter.org.
Por Livio Oricchio