Os meus amigos franceses Patrick e Jean Michel, aqui do Sul da França, deram risada, como eu, quando comentei com eles a notícia de que o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, autorizou o deputado federal João Rodrigues, do PSD de Santa Catarina, deixar a cadeia da Papuda, em Brasília, durante o dia, para exercer a atividade de parlamentar.
No fim do dia, no entanto, num gesto que comprova o “rigor extremo” da justiça, o deputado deve regressar à cadeira para dormir, repor as energias gastas nos calorosos debates nacionalistas na Câmara dos Deputados.
Ele foi preso pela Polícia Federal em fevereiro, por ter sido condenado a cinco anos e três meses de reclusão, em regime semiaberto, em razão de dispensa de licitação quando era prefeito da cidade de Pinhalzinho, no seu estado. Em outras palavras, levou a parte dele no negócio, como é endêmico no Brasil.
Esse cidadão, que já teve o direito de defesa, com todas as concessões que a classe política tem, foi julgado e perdeu. Nós sabemos o quanto um “representante do povo” precisa aprontar para ir para a cadeia, diante do corporativismo cancerígeno brasileiro.
Os investigadores e a promotoria realizaram grandes esforços, utilizaram dinheiro público para organizar a acusação e ganhar no Tribunal Regional Federal. Provavelmente ficam felizes ao ver o réu ir para a cadeia, pelo crime hediondo de ficar com verba que poderia melhorar a saúde e educação. O que não devem estar pensando agora, apenas quatro meses mais tarde contemplar o deputado passar diante deles para trabalhar como legislador, produzir leis. Quem sabe leis sobre como melhor punir políticos corruptos (sic).
Lembro agora a frase que vez por outra gosto de mencionar: a classe política, legislativo e executivo, e o judiciário brasileiros fazem com que exista a história da humanidade e a história do Brasil. São coisas diferentes.
Se você acha que o “nobre” deputado deixou de receber regularmente seu salário para exercer o mandato, por estar preso nesses quatro meses, saiba que está enganado. Não só João Rodrigues como os 21 assessores parlamentares a que tem direito continuaram a ver entrar em suas contas bancárias as importantes somam que ganham. Rodrigues e seu staff custaram à Câmara dos Deputados a bagatela de R$ 359 mil. Você, eu, que tenho domicílio fiscal no Brasil, é que pagamos. Dá para acreditar?
O que passa na cabeça de um ministro do STF, a última instância jurídica da nação, a afrontar os princípios mais elementares de justiça? Trair o povo? Podemos ir além: o que faz com que o colega de Barroso, o execrável Gilmar Mendes, se caracterize por ser o ministro que libera investigados na Lava Jato e envolvidos com todo tipo de falcatrua milionária, como o “rei do ônibus” do Rio, o empresário Jacob Barata Filho, com quem tem relações familiares e profissionais?
Resposta: uma sociedade que aceita pacivamente as decisões chocantes de seus líderes. Não há uma instância superior onde segmentos organizados da sociedade pudessem recorrer, legalmente, contra a afronta. O STF é soberano.
Em casos como o do deputado Rodrigues e de tantos gângsters liberados por Gilmar Mendes a sociedade deveria se posicionar. Não apenas rir e comentar com os amigos, colegas de profissão que os poderes brasileiros são mesmo uma “piada”.
Piada é a sociedade não se mobilizar e não se postar diante do SFT, em protesto, indefinidamente, para mostrar aos ministros que existe, sim, uma instância superior a eles, em casos extremos de descaso com os direitos básicos do povo: o poder de dissolução das entidades que não representam as sociedade. De uma maneira ou de outra.
Não se muda esse estado de coisas sem que o país se mobiize, diante do modis operandi das “autoridades”. Alguns ministros, mesmo em face de todas as provas e mesmo decisões judiciais prévias desfavoráveis aos réus, praticantes de crimes gravíssimos, capazes de explicar a morte de cidadãos nos corredores de hospital por falta de assistência médica, decidem o que bem entendem, alegando ser sua “interpretação da lei”.
É preciso que o povo mostre aos ministros que eles também estão sendo julgados. Os meus amigos franceses se impressionam, como eu, com tantos casos de decisões do STJ tão contrários aos reais interesses do Brasil. Impressiona como seus ministros não demonstram o menor constrangimento, por sentirem-se, patologicamente, deuses com todos os poderes.
Precisamos mostrá-los, de forma bastante didática, que essa não pode ser a realidade. Os seus substitutos vão levar muito em conta a lição. liviooricchio@gmail.com