O confisco e a Lei de Gérson
► Queria neste artigo lembrar de algo pouco conhecido do grande público, o dia em que tive que acionar segurança com receio de retaliação pela aplicação da lei quando ocupava uma função no governo de Rio Claro. Por debaixo de toda a politicagem que marcou minha presença no Executivo, a aplicação do teto salarial foi, sem sombra de dúvidas, a mais desafiadora. Em meio a uma avalanche de críticas e fakes nas redes sociais, tomamos a decisão de respeitar a legislação e passar a exigir tanto o ponto digital dos profissionais, quanto o pagamento até teto constitucional – que nesse caso é o subsídio do prefeito. Veja bem, meus caros, exigir o cumprimento da lei foi motivo de muita discórdia. O objetivo dessa reflexão não é apontar dedo para fulano ou sicrano, é evidenciar que a moralidade com o que é público, por vezes, é ignorada. Seguindo a linha de quanto mais proveito você tirar, melhor.
► Se para a sociedade, o Fulano da Silva era um homem sério, ilibado, bom pai, exemplo para a comunidade, dentro do serviço público, não cumpria horário, burlava regras e não perderia tempo em se beneficiar com os parcos recursos públicos destinadoS a suprir determinada política pública. O que fazer? Jogar para a galera e fazer o jogo político de ficar bem com todos, mantendo a sangria dos cofres públicos? O que você faria?
► Como educação vem de berço e consciência tranquila não há dinheiro que compre, seguimos a legislação, tive que aprender a ter coragem (nem eu mesmo sabia que tinha) e mesmo com pouco ou quase nenhum apoio político, a agenda foi mantida e o teto salarial foi incluído para todos dentro do software que fazia o cálculo da folha de pagamento. Foi um momento bem tenso para toda a equipe e que também dividia-os, alguns favoráveis, outros com a máxima “para que mexer nisso?”.
► O que falta muita das vezes ao cidadão brasileiro (menciono aqueles que conseguiram ser cidadãos) é ter um pouco do que chamam de accountability, saber que o que é público é seu e de todos, onde a responsabilidade é de toda a comunidade… Essa visão de que “o local público é onde devemos tirar o máximo de proveito, pois só tem ladrão”, tem mantido o ciclo vicioso em muitas repartições. É preciso ter coragem, fazer o que deve ser feito (sem holofote) e se manter em silêncio sabendo que o que foi feito era o melhor que tinha que ser feito. Por isso, se tiver a possibilidade de ocupar um espaço público de poder, ocupe-o. É seu dever como cidadão, não adianta depois ficar reclamando da situação calamitosa em que vivemos atualmente…
► Antonio Archangelo é gestor, pesquisador e professor.
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