Deep Throat, o Garganta Profunda, deu aos repórteres do Washington Post a informação que lhes permitiu investigar o escândalo de Watergate: “Sigam o caminho do dinheiro”. Eles seguiram e demoliram um presidente.
Boa parte de aliados importantes e de membros do Governo Bolsonaro se dedicou, até agora, a tentar desmoralizá-lo. A ministra Damares talvez seja a campeã, não só pelo que disse como ministra mas pelo que dizia nos tempos em que nem pensava nisso. Pois não é que descobriram um vídeo de 2013 em que dizia a seus fiéis que na Holanda os pais eram instruídos a masturbar bebês a partir de sete meses, para que crescessem sexualmente saudáveis, tanto meninos quanto meninas? Maluquice total – e ela o disse.
E, claro, há Flávio, o filho que era deputado e se elegeu senador. Um de seus assessores precisou explicar problemas com a movimentação da conta bancária e Flávio, cuja ligação com o assessor oficialmente era apenas a de patrão e empregado, talvez amigo, foi ao Supremo pedir que a averiguação fosse suspensa, já que ele, como senador eleito, teria foro privilegiado.
Em resumo, chamou a si uma questão que não era dele. Há mais, muito mais. Muitos dos aliados de Bolsonaro seriam grandes poetas, se calados. Mas falam. A sorte do presidente é que também no Brasil o Garganta Profunda tem razão: siga o caminho do dinheiro. Se a economia for bem, os bolsonaristas falastrões nem serão lembrados. Terá sido um bom Governo.
O tempo do jogo
Outro problema do Governo é que algumas autoridades não só falam, mas também agem. O número de funcionários autorizados a determinar o sigilo de documentos subiu para perto de 1.300. Pode até estar certo, apesar de o Governo defender a transparência. Estuda-se a eliminação do valor de pagamentos que devem ser obrigatoriamente enviados ao Coaf e o fim do monitoramento especial de parentes de políticos. Pode estar certo, também: imagine-se o número de comunicações ao Coaf e o custo de processá-las.
Mas todas as medidas bem na hora em que o filho do presidente está com problemas nessas áreas, e em que seria ótimo poder tornar secreto um documento? Que é que querem que o cidadão pense a esse respeito?
A oposição, em compensação
Gleisi Hoffman, presidente nacional do PT, vai à posse de Maduro para prestigiá-lo, num momento em que não há dúvidas de que a democracia foi varrida da Venezuela. Fernando Haddad, candidato petista derrotado, agora se dedica a brincar de oposição com twitter, desafiando Bolsonaro – como se ainda estivesse disputando eleição. Palocci conta tudo e não se encontra ninguém do partido para desmentir suas denúncias. O PT parece engessado. Para um Governo que quando se mexe erra, é a oposição mais adequada.
O grande dia…
O deputado federal Jean Wyllys, do PSOL, há longo tempo desafeto de Bolsonaro, antes mesmo de iniciar um novo mandato, renunciou a ele, e não pretende ficar no Brasil. Bolsonaro, retornando de Davos, pôs no twitter a frase “Grande Dia!” Acharam que comemorava a saída de Wyllys. Mas não era: Bolsonaro comemorava algumas boas notícias de Davos.
…Economia…
Jantou com empresários de ponta, com dinheiro para investir, e ocupantes de altos cargos. A lista: Tim Cooke, da Apple, Satye Nadela, da Microsoft, a família real da Bélgica (sem poder efetivo), a rainha Rania, da Jordânia (esposa do rei que concentra todo o poder), o presidente da Suíça, Alain Bersel (sem poder efetivo), a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinta Ardern, e o presidente do Foro de Davos, Klaus Schwab.
…Meio Ambiente
Al Gore, Prêmio Nobel da Paz pelo trabalho em defesa da Ecologia, vice de Bill Clinton, elogiou publicamente a política de reflorestamento anunciada por Bolsonaro. O endosso de Gore é o mais importante da área.
Silêncio fora de hora
E no caso Wyllys faltou a Bolsonaro sensibilidade para perceber seu papel como presidente. Ao saber da renúncia de Jean Wyllys, que se disse ameaçado de morte, teria que dar garantia de vida ao deputado eleito, de quem foi adversário, mas do qual é presidente. Silenciou na hora errada.
O motivo da fuga
Jean Wyllys disse que deixava o país devido às ameaças de morte. Mas é ameaçado faz tempo: por que sai só agora? Há três anos, disse a desembargadora Marília Castro Alves: “Sou a favor de um ‘paredão’ profilático para determinados entes… O Jean Wyllys, por exemplo, embora não valha a bala que o mate e o pano que limpe a lambança, não escaparia do paredão…” Adversários espalham que Wyllys teria motivos outros para sair do país, relativos a uma investigação que envolve seu partido, o PSOL, ao qual foi filiado o responsável pela facada em Bolsonaro, Adélio Bispo.
Por Carlos Brickmann
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