A professora doutora Flavia Alessandra de Souza Pereira, autora da dissertação de mestrado “Organizações e espaços da raça negra no oeste paulista: Movimento Negro e poder local em Rio Claro (dos anos 1930 aos anos 1960)”, publicada em setembro de 2008, comentou sobre o início da articulação dos negros no período pós-abolição.
“Escrevi uma dissertação comparando pessoas negras e imigrantes descendentes em Rio Claro. A questão é que há uma ênfase, em geral, quando se pensa em pessoas negras, no período pré-abolição e escravidão, como se depois da abolição formal da escravatura as pessoas negras tivessem desaparecido”, esclarece.
Foi por esse motivo que a pesquisadora se engajou em buscar e apresentar a movimentação política negra no município. “É por isso que eu penso em mostrar também toda a mobilização política negra do pós-abolição. E mostrar que as pessoas não foram apenas escravizadas. Nossa história não é apenas grilhão, corrente e senzala.”, enfatiza.
RACISMO
Mesmo depois da abolição, Alessandra explica que o negro sofreu com o racismo. “Comparativamente, pessoas brancas, imigrantes descendentes, tiveram muito mais oportunidade de mobilidade social e política por uma questão de racismo”, frisa.
PRIMEIROS REGISTROS
De acordo com a dissertação, um dos primeiros movimentos organizados do negro no município foi a delegação da Frente Negra Brasileira. A criação desse grupo foi publicado no Diário do Rio Claro em 1932. “A Frente Negra, organização de alcançe nacional, com sede em São Paulo e ramificações em todos os Estados nos anos de 1920 e 1930, reverberou em Rio Claro. Mas muito provavelmente não foi o primeiro movimento negro”, destacou referindo-se à resistência negra na organização de bailes, datas cívicas, entre outros antes da década de 20.
Ela citou ainda o Tambu, prática que ainda segue viva no município com a Congada de São Benedito, capitaneada por José Ariovaldo Pereira Bueno. “Sabemos que tinha o Tambu e toda uma mobilização política para que ele existisse no munícipio. Pessoas lutando para que tivessem os seus espaços para serem atendidos com dignidade”, esclarece.
DIVERGÊNCIAS
Sobre as divergências entre membros da Frente Negra em Rio Claro e cidadãos negros da cidade em artigos publicados ainda na década de 30 no Centenário, acentuou: “a Frente Negra tinha vários setores e grupos com diferentes modelos de ideologia. Grupos mais conservadores e outros mais progressistas. O raciocínio que utilizo nos meus trabalhos é que se você tem o racismo estrutural, essa cisão não é entre pessoas negras, mas no sistema opressor. As pessoas pensando diferente de que formas que vão combater o problema que chega até elas. Eu vejo muito mais essa cisão como algo do racismo estrutural que oprime as pessoas, do que algo forjado na comunidade negra de então”, analisa.
PENSAMENTOS DISTINTOS
Alessandra critica que em Rio Claro existe uma percepção de que existiu uma cisão no movimento. “Não vejo nada disso. Vejo que existem pessoas pensando diferente, construindo formas, elaborando seus processos de encaminhamento de combate ao racismo numa cidade de maioria esmagadora branca”, diz ao ressaltar que a cisão não acontece na comunidade negra, mas nasce de uma questão estrutural.
POLÍTICAS PÚBLICAS
A pesquisadora comparou o período ao século 21 e sentenciou: “sempre faltou políticas de ações afirmativas. Se você tem um contingente que chega aqui fruto de uma expatriação involuntária, para trabalhar na condição de pessoa escravizada, sem direitos, é óbvio que vai demorar muito mais para conseguir construir seus clubes, conseguir acesso à universidade, sem reparação imobiliária, financeira e agrária. É lógico que vai ter muito mais desvantagem do que quem teve tudo isso.”