Foi de grande destaque na última semana: “Milton Nascimento diz que a música brasileira está uma M…”. Me proponho aqui observar essa notícia em três frentes: a frase em si, as repercussões dela e o uso da mesma.
Da frase
Milton Nascimento sempre se notabilizou por sua qualidade como músico, a começar por uma voz excepcional (aquela que Elis Regina definiu como seria “se Deus cantasse”) e por belas harmonias em suas melodias, além de letras – a maioria, em parceria com Fernando Brandt – singelas, mas muito bem construídas.
Algumas das mais bonitas e mais conhecidas canções de Milton – Coração de Estudante e Canção da América – foram temas que embalaram o Brasil em dois dos momentos mais tristes de sua história moderna: a primeira, quando da morte de Tancredo Neves, em 1985; a segunda, quando Ayrton Senna partiu, em 1994.
Tancredo e Ayrton representavam: sonho, esperança, confiança, patriotismo. E as canções de Milton falavam disso: “Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia. E há que se cuidar do broto, pra que a vida nos dê flor e fruto”. “Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito, mesmo que o tempo e a distância digam ‘não’”.
A explicação de Milton sobre a frase destacada: “Não sei se o pessoal ficou mais burro, se não tem vontade (de cantar) sobre amizade ou algo que seja. Só sabem falar de bebida e a namorada que traiu. Ou do namorado que traiu. Sempre traição”.
Portanto, ao fazer essa crítica geral (mas não genérica), Milton também fala de si mesmo como compositor. Na própria entrevista ele reflete: “Eu não consigo compor, mas gosto de cantar. Isso eu não quero parar nunca”.
Das repercussões da frase
No público geral, as reações foram essencialmente duas: a concordância, o compartilhar, como se Milton tivesse profetizado em favor de quem “tem bom gosto”, e aqueles que simplesmente não comentaram, nem se interessaram, nada. Talvez esse o público que ouve a(s) música(s) que Milton referiu-se como dejeto.
Mas na classe artística – e também dos que trabalham com artistas ou cujo trabalho é sobre os artistas – a frase de Milton foi mal recebida. Curioso. Uma parcela produtiva, a quem certamente Milton não dirigira sua acidez, tomou pra si e atacou… Milton.
Nomes importantes da nova cena da música brasileira se disseram ofendidos pelos comentários do lendário compositor. “Mal assessorado” foi a expressão mais elogiosa dirigida ao mito maior do Clube da Esquina.
Mas é óbvio que Milton falava da música que, hoje, está na voz do povo.
Milton explodiu nacionalmente em 1967, com a belíssima Travessia. No ano seguinte, ao lado de Marcos Valle, ganhou o país, as rádios, os ouvidos e os corações cantando “Viola Enluarada”: “Quem tem de noite a companheira, sabe que a paz é passageira. Pra defendê-la se levanta E grita ‘Eu vou’”. Essa canção foi a segunda mais tocada do país em 1968, somente atrás de Hey Jude, dos Beatles.
Caro leitor, agora, por favor, veja qual é a música mais tocada de 2019. “Cê fica Milu e Milu me iludindo / E eu fico no, fico no bar caindo”.
Do uso da frase
Milton Nascimento, após as críticas, fez questão de postar na sua conta pessoal no Instagram uma espécie de retratação – ou explicação.
“Fora do contexto, o título de uma reportagem pode levar o leitor a conclusões equivocadas. A frase escolhida para a manchete da entrevista que Milton Nascimento deu à jornalista Monica Bergamo se refere exclusivamente à música feita no mainstream do mercado nacional, consumida pela massa”.
É, Milton, além da música, o jornalismo brasileiro está uma m…