O Brasil ficou em choque na última terça-feira (11), quando um homem entrou na Catedral Metropolitana de Campinas e atirou contra fiéis, matando quatro pessoas.
O que o brasileiro se perguntou nesse momento foi: o que leva uma pessoa a cometer um ato tão bárbaro?
Com o andamento das investigações, policiais coletaram na casa do atirador registros escritos que, segundo o delegado responsável pelo caso, mostravam pensamentos paranoicos e confusos.
O Diário do Rio Claro conversou com o psiquiatra Felipe Nadai, que falou sobre o caso e orientou sobre transtornos mentais como a psicopatia, esquizofrenia e depressão. Confira a entrevista.
Diário do Rio Claro: qual a diferença entre esquizofrenia, psicopatia e depressão?
Felipe Nadai: são transtornos mentais que, apesar de parecem bastante distintos, na prática nem sempre é fácil diferenciá-los. Tentando me fazer compreendido, ainda que a explicação seja apenas superficial e simplista de transtornos tão complexos, a esquizofrenia é um transtorno mental que apresenta a ocorrência de delírios (crenças irreais, bizarras e incorrigíveis que constituem um falso juízo da realidade) e alucinações (distorção da percepção sensorial – como a auditiva, visual, etc).
Estes sinais se tornam muito perceptíveis na alteração do comportamento da pessoa, geralmente na presença de afeto inadequado ou embotado, observável pelo distanciamento da realidade e da convivência social. Na psicopatia, a ausência de qualquer sentimento por outras pessoas, além da falta de culpa, são os principais fatores diagnósticos. Isso causa toda a permissibilidade à mentira, à sedução perversa, à manipulação, à safadeza, à criminalidade e à crueldade tão comum nos psicopatas – atos que também geram um isolamento do indivíduo, mas secundário à ausência de sociabilidade: falta de ética, moral e respeito às leis.
A pessoa com depressão, diferente das demais, usualmente sofre de um humor deprimido, perda de interesse pela vida. Pode haver redução da sensação de prazer e energia vital, além da ocorrência de ideias deliróides de culpa e inutilidade, pessimismo sobre o futuro, ocasionando, com isso, também o isolamento social.
Diário do Rio Claro: o que pode levar a pessoa a ter surtos psicóticos?
Felipe Nadai: surtos psicóticos podem decorrer de múltiplas causas. Dentre elas: doenças, lesões ou alterações neurológicas (por exemplo: tumores cerebrais, infecções graves, demência, toxicidade por medicamentos), uso de drogas (por exemplo: maconha, derivados da cocaína, alucinógenos), e transtornos psiquiátricos (tais como a própria esquizofrenia, entre tantos outros).
Diário do Rio Claro: dá para citar as causas que podem levar as pessoas ao estágio de depressão, esquizofrenia e psicopatia? Já nascemos com um distúrbio ou ele se desenvolve no decorrer da vida?
Felipe Nadai: o que se sabe até o momento é que não há genes isolados que provem qualquer causa genética de doenças mentais, nem sintomas psiquiátricos, comportamentos, personalidade ou temperamentos. A ciência vem demonstrando que a ocorrência de um transtorno mental é fruto da epigenética, ou seja: um portfólio de vários genes carrega somente o risco de doença mental, mas o que causa ou não a manifestação do adoecimento psíquico é a interação do nosso DNA com o ambiente através de vivências traumáticas, baixa qualidade de vida, má alimentação, sedentarismo e a privação do sono.
Seria como dizer que uma pessoa que nasce com a pele clara tem maior risco de desenvolver câncer de pele que uma pessoa negra, mas isso não significa que a mesma irá obrigatoriamente desenvolvê-lo. Para tal, é preciso ter um fator desencadeante: por exemplo, a exposição à luz solar de forma lesiva à pele. A exposição lesiva à pele é algo que pode acontecer com qualquer tipo de pele, bem como o câncer. Portanto, não nascemos com um distúrbio psiquiátrico, mas ele se desenvolve no decorrer da vida, de acordo com o que experienciamos nela.
Diário do Rio Claro: tem cura, tratamento para estabilizar?
Felipe Nadai: “cura” é um tema tratado com muita cautela na psiquiatria. Como os transtornos mentais não são exclusivamente uma doença biológica, os profissionais de saúde mental atualizados evitam o uso desta palavra. Os termos utilizados atualmente são “controle da doença”, “remissão” e “recuperação”. Para tal, o tratamento realizado se dá principalmente através de psicoterapia (que atua na interface traumática do indivíduo com meio em que vive) e, quando necessário, medicamentos específicos deverão ser prescritos pelo psiquiatra a fim de minimizar as alterações cerebrais secundárias.
Diário do Rio Claro: como familiares e amigos podem detectar e ajudar? Dá para prever as atitudes de uma pessoa com esses sintomas?
Felipe Nadai: acolher e ajudar pessoas em sofrimento é uma atividade humana. E o primeiro passo para tal é se permitir ouvir atentamente o que o outro tem a falar, mesmo que seja solicitando que o mesmo fale. Muitas vezes, somente por verbalizar, uma pessoa já tem o seu sofrimento diminuído, e isso torna também possível ao ouvinte observar alterações nos pensamentos, atitudes, sentimentos e comportamentos da pessoa.
Se a pessoa se negar a falar, mostre solidariedade e exerça a empatia: capacidade inata que nós temos de tentar enxergar o mundo da outra pessoa pelo olhar dela, tentando compreender seus sentimentos com interesse. Muitas vezes, uma pessoa não quer falar do seu problema, mas quer simplesmente se sentir compreendida, acolhida, sem mais discussões. E por último, exerça a compaixão: que é ficar atento ao sofrimento do outro ao ponto de ter tolerância com ele, sem realizar julgamentos, crítica ou exposição a qualquer tipo de vergonha.
Tudo isso pode ser feito sem que a pessoa precise nem mesmo tocar no problema que está vivendo. Afinal, os meios reais para tratar uma pessoa devem ser destinados a um profissional habilitado para isso. E se ainda nada disso funcionar… estando a pessoa em surto psicótico, risco de vida ou colocando outros em risco, chame o SAMU e a Guarda Municipal. Muitas vezes, uma intervenção rápida pode salvar vidas.
Diário do Rio Claro: qual análise o doutor faz do perfil do atirador da Catedral de Campinas?
Felipe Nadai: avaliando apenas as notícias extraídas de jornais, internet e alguns documentos encontrados na casa do atirador, é possível identificar um quadro psiquiátrico prévio à tragédia, composto por: isolamento social, embotamento afetivo, pensamentos distorcidos e crenças irreais de que o atirador estava sendo perseguido. No diário encontrado na casa do atirador, havia frases desconexas, mostrando pensamentos desagregados, com conteúdo delirante.
Possivelmente, se trata de um caso de esquizofrenia paranoide, aparentemente sem diagnóstico ou tratamento. Os delírios persecutórios se iniciaram muito antes do falecimento da mãe e do irmão, há 11 anos, segundo publicação de um amigo do atirador via Facebook. Para o pai, o atirador sofria de depressão, quadro incompatível com o que se pode analisar até o momento. Afinal, nem todo isolamento social é sinônimo de depressão, conforme demonstrado em toda esta entrevista. Por isso, fique atento!