Um dos mais importantes dons que Deus deu aos homens é saber ler nas entrelinhas. Vez ou outra me pego cismando sobre a mensagem que Deus quer passar com fatos que me desagradam e, muitas vezes, até me deprimem.
Um desses fatos ocorreu outro dia, em meados de agosto, quando tivemos aquele frio intenso e, subitamente, de um dia para o outro, um dia de calor atordoante.
A cisma não ocorreu devido à mudança do clima, em si, mas sim devido às consequências que trouxe. Uma delas, a que me aborreceu, de fato, foi dar de cara com as flores de minhas orquídeas todas murchas.
Ainda no dia anterior elas foram regadas a contento e, portanto, não foi falta de água, uma vez que as rego somente uma a três vezes por semanas no inverno e de dois em dois dias no verão, e elas sempre gostaram deste tratamento.
Costumo arrumar as plantas floridas – que chamo carinhosamente de “meninas” – bem em frente à grande janela de vidro temperado que tenho na cozinha, e que funciona como uma vitrine de orquídeas.
Todos sabem que este tipo de planta, para florescer, tem que ter um tratamento adequado. Mesmo assim, demoram a florescer. A maioria delas floresce apenas uma vez por ano. Assim, sua florada é aguardada como a um bebê.
Da aquisição da mesma, aos fertilizantes e tratamentos necessários para que não adoeçam, a maior ansiedade começa na concepção das flores, quando surge a pontinha da haste por entre as folhas.
Acompanhamos o crescimento, amparamos a haste, vemos os botõezinhos começando a se formar, até desabrochar em flores lindas e perfumadas que alegram nossas vidas por apenas um dia, outras por uma semana a quinze dias.
Mas existem algumas como as phalaenópsis, denphal, wandáceas, rhyncostyles ou a paphiopedilum (orquídea sapatinho), dentre outras, que duram de três a quatro meses, dependendo das condições da planta e também do local em que a colocamos.
O fato é que fui dormir tarde e, ao passar pela cozinha e ver minhas quinze “meninas” floridas, todas murchas – com exceção de uma orquídea sapatinho que resistiu ao calor – desabei. Pensei em molhá-las imediatamente, mas naquele horário poderia incomodar os vizinhos. Deixei para aguá-las pela manhã, quando o fiz, mas elas não se recuperaram mais.
Chorei por dois dias seguidos, sem ter coragem de tirar as flores que secaram, orando para que ao menos as plantas se salvassem. No terceiro dia do ocorrido, postei-me diante delas e fiquei meditando sobre a mensagem que Deus queria me passar com este desastre…
Na pia, em frente a elas, lavava espinafre e chorava, quando minha mente se aclarou. Pensei em amigos que sentia falta e para os quais não encontrava tempo, e comparei-os àquelas flores: quando não damos a devida atenção e cuidados a uma amizade, ela também fenece.
Imediatamente o pranto cessou. Vislumbrei o domingo solitário que se descortinava à minha frente, peguei o celular e entrei em contato com três amigos. Embora ainda não houvesse definido o cardápio do dia, convidei-os para almoçar comigo.
Dois deles aceitaram de pronto e assim pudemos ter um domingo alegre, discutindo coisas comuns e problemas particulares, o que fortaleceu ainda mais nossa amizade e a crença de que, cada vez mais, precisamos aprender a ler o que Deus escreve nas linhas da vida.
E, mais do que tudo, aceitar que tudo é passageiro, pois se perdemos algo, é porque já tivemos a graça de tê-lo algum dia…