Nanocontos
[VII]
O nanoconto de Jaime Leitão número 278 –“O anão era tenor”- bem pode ser em relação ao cantor popular, já falecido, Nelson Ned. A natureza, mesmo quando se equivoca, premia o ser com uma grande qualidade.
O nanoconto 284 – “Canalha, mas simpático- me me traz à lembrança a imagem de inconfundíveis políticos, como Ademar de Barros, Paulo Maluf, Aécio Neves, que aparecem, pela mídia afora, como pessoas simpáticas, mas que, também, são lembradas por atos que as mostram chafurdadas em situações enviesadas à moral do bom cidadão.
O nanoconto 286 –“Atrevido, perdeu a vida” – tem muito da história do filho de um juiz de Direito que, não querendo seguir a profissão do pai, foi ser policial civil. Há aquele que nasce para ser caçador, outro para ser a caça e outro ainda para não ser nem um nem outro. Era o caso desse jovem. Sem talento para perseguir bandido, foi ao encalço de um deles na favela próxima ao Bairro do Ipiranga. Entusiasmado pela sensação de poder que o revólver lhe dava ou por querer cumprir da melhor maneira o compromisso assumido perante o comando do delegado, o certo é que, correndo, indo atrás daquele marginal, virou à esquerda em uma ruela, e, depois, à direita, quando, sem estar com o colete à prova de bala, recebeu um balaço no peito. O meliante estava à sua espera, posicionado para desferir o tiro fatal. Acertou. E o filho do magistrado, sangrando no peito, veio a expirar naquele chão duro e frio. Acabara ali para ele o encantamento da vida.
O nanoconto 303 –“Muito pó e pouco pão”- tem muito a ver com a canção do Vandré –“O Plantador”, que segue abaixo/: “Quanto mais eu ando,/ mais vejo estrada/e se eu não caminho,/ não sou é nada./ Se tenho a poeira/como companheira, o meu camarada/ O dono quer ver/A terra plantada./ Ai de mim que vou/ pela grande estrada:/ “Deixem-no morrer,/ Não lhe deem água./Que ele é preguiçoso/ E não planta nada/ Eu que plantei tudo/ e não tenho nada,/ ouço tudo e calo,/na caminhada./ Deixem que ele diga/ que eu sou preguiçoso,/ Mas não planto em tempo/ que é de queimada…”
O verso do Jaime guarda a aflição de a pessoa estar de frente para o pó da estrada ,sem conseguir o amparo de mãos amigas para lhe dar um pedaço de pão. Não encontrando o alívio, a dor da fome se mostra cruel e invencível. Muitos são os que perambulam pelas ruas das cidades e dormem em albergues. São os miseráveis. A tragédia humana é desses miseráveis.
O nanoconto 307 –“Disse tudo em meia linha”- é perfeitamente aplicável ao gênio dos 370 nanocontos. Essa linha é o espaço temporal da criatividade em reduzir o que seria um conto ou um poema em seu máximo, transformando-o em nanoconto.
O nanoconto 322 –“Fez, desfez e refez”- tem muito a ver com a situação de cada dia, em que o que está feito, não se gostando, é desfeito. Mas, arrependendo-se, torna a fazer. Esses instantes são os sabores da vida.
Em meu poema -A passageira- trato dessa fluência dos atos, do pensamento e da própria vida: “Demore pouco ou nada,/ muito ou tudo,/ a vida é sempre um instante. / Seja velha ou criança,/ ou não seja,/a vida é um instante sempre./ Haja passado ou não haja,/tenha futuro ou não tenha,/ a sempre vida é um instante./Caminhar é estar indo./ Permanecer é não ficar./Tudo flui./ E a vida, passageira que é,/ não sendo possível decifrá-la nunca,/ deve ser vivida sempre”.
O nanoconto 327- “Fez do pouco muito”- está diretamente ligado aosmilagres dos peixes e dos pães, realizados por Jesus Cristo.
O nanoconto 330- “Garçom. O cozido está cru”- tem muita semelhança com a verve exposta pelo poeta português Fernando Pessoa, quando escreveu , com o heterônimo Álvaro de Campos, o poema “Dobrada à moda do Porto”, em que finaliza com os seguintes versos: “Não é prato que se possa comer frio,/Mas trouxeram frio./Não me queixei, mas estava frio, /Nunca se pode comer frio, mas veio frio”.
OI cozido cru também não dá para comer. Tudo dá na mesma. E é por essa e outras situações que são criados poemas e até nanocontos.